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Adolfo Mesquita Nunes: a IA só será espetacular “se continuarmos a confiar no nosso cérebro”

Especialista em Inteligência Artificial, Mesquita Nunes explicou a uma assistência insistentemente atenta de que forma o sistema pode influenciar positivamente o mundo empresarial. E também explicou como pode ser um tremendo desastre.
Nuno André Ferreira/LUSA
4 Junho 2025, 17h58

“Há muitas palavras, muitos números, muitos indicadores que dizem que a Inteligência Artificial (IA) veio para ficar, mas é algo de mais profundo: estamos a delegar em máquinas a capacidade de tomar decisões – nunca aconteceu com este nível de sofisticação. Imaginem isto adaptado a todos os setores de atividade”, referiu Adolfo Mesquita Nunes na qualidade de ‘speaker’ da conferência anual da Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP), a decorrer no Porto e da qual o Jornal Económico é media partner.

Revolucionária e milagrosa, são duas palavras que Mesquita Nunes usou para caracterizar a IA – e pediu ajuda ao ChatGPT para descobrir o que sabe a IA sobre o setor da metalurgia e da metalomecânica. O instrumento acertou. “Se uma empresa não tem a noção do que quer fazer e com que investimento, tornar-se-á vulnerável. É hora de qualquer empresa perceber como é que a IA vai impactar a própria empresa”, alertou. A primeira coisa a fazer é perceber esse impacto – e a seguir “onde é que a IA tem maior valor acrescentado”. “A capacitação das lideranças e das equipas é, por isso, essencial”, acrescentou.

Quem adota IA assume também todas as responsabilidades se algo correr mal. A IA tem tudo para correr bem, mas não será nunca igual a anos e anos de experiência. “A IA é uma oportunidade, pode correr bem, mas há casos em que corre espetacularmente mal.” E Mesquita Nunes contou um caso real – que aconteceu nos Países Baixos. O Estado foi pressionado a encontrar uma forma de descobrir casos de fraude na Segurança Social, recorrendo à IA. Ora, milhares de famílias foram compelidas a restituir dinheiro que haviam recebido do Estado. Houve manifestações nas ruas. O governo – por acaso de Mark Rutte, atual secretário da NATO – fez tudo errado e acabou por demitir-se. O sistema era pensado para detetar potenciais casos de fraude, cabendo depois às Finanças avaliar, mas foi colocado a atuar sem supervisão humana, decidindo por si o que era fraude. “Falhou. Como falharam os dados que alimentaram as máquinas.” Como a maioria dos casos de fraude era causada por imigrantes, a IA assumiu que os nomes dos neerlandeses não teriam de ser investigados. “Calibrámos mal o sistema”, disse, para explicar a monumental falha, que os transferiu para as explicações – que não havia.

Quando uma empresa adota IA e quer que corra bem, precisa de retirar tudo o que pode correr mal”, disse Mesquita Nunes – sendo para isso necessário que os decisores conheçam em profundidade todo o sistema e tenham capacidade de decisão sobre ele. “É essencial definir uma estratégia, um quadro de objetivos, perceber a qualidade dos dados” e ter recursos humanos com capacitação exigente, “tecnológica, ética e legal”.

A conversa de que a IA não vai acabar com empregos é falsa”, alertou – “mas vai criar outros”, sendo que o saldo não é, para já, quantificável. Mas, como disse Mesquita Nunes, esse conhecimento permite às empresas anteciparem a ‘revolução’ que se dará no mercado de trabalho. Mas isso é só um dos lados: “A IA está a modificar a democracia, a forma como se processam as eleições, o relacionamento entre as novas gerações” – e é nesse contexto que a sua utilização tem de ser profundamente conhecedora. “Arranjem um mapa orientador e o processo de utilização da IA pode ser espetacular – mas também pode ser espetacularmente mau.” “O cérebro foi sempre o que nos defendeu dos profetas da desgraça e a IA só será boa “se continuarmos a fazer isso: continuar a confiar no nosso cérebro.”

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