Perante o regresso à atividade, uma das questões prementes que se coloca às organizações (públicas e privadas) em toda a União Europeia, no atual estado de pandemia global “Covid-19”, diz respeito à (i)legalidade do tratamento de dados pessoais da vida privada e dados de saúde dos seus colaboradores, fornecedores, visitantes e até de clientes.

Sob a perspetiva jurídica da proteção de dados pessoais, importa dar resposta às seguintes questões práticas:

1. É legal recolher dados pessoais da vida privada ou de saúde, como por ex., os países/zonas visitadas nos últimos 14 dias? Se tem algum dos sintomas de “Covid-19” identificados pela Direção-Geral de Saúde (DGS)? Se houve contacto direto com uma pessoa contagiada? Ou, até mesmo, recolher amostras de sangue ou medir a temperatura corporal (febre)?

2. É legal criar um formulário de preenchimento (obrigatório) para recolher estes dados pessoais?

3. É legal (ou obrigatório até), impedir o acesso de um determinado colaborador, fornecedor, visitante ou de um cliente às nossas instalações, por ter estado numa zona “de risco” ou por ter tosse ou febre?

Por princípio, é proibido tratar dados “relacionados com a saúde física ou mental de uma pessoa singular, que revelem informações sobre o seu estado de saúde”, exceto em caso de necessidade de conhecer a informação e com as adequadas medidas e requisitos técnicos de segurança.

No caso do exercício da atividade comercial (ou serviços públicos) é obrigatório o tratamento destes dados para fins de “segurança, monitorização e alerta em matéria de saúde, prevenção ou controlo de doenças transmissíveis e outras ameaças graves para a saúde”, para cumprimento das obrigações legais de promoção da segurança e saúde no trabalho vertidas no Código do Trabalho e no regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho.

“Excecionalmente” o empregador pode exigir (fundamentando) a realização de testes ou exames médicos, para comprovação das condições físicas ou psíquicas, a um candidato ou a um trabalhador, para fins de proteção e segurança dos trabalhadores ou de terceiros (nomeadamente, fornecedores, visitantes ou clientes).

De acordo com as autoridades de saúde (SNS24, Centro de Contacto do Serviço Nacional de Saúde), “Um adulto tem febre (…) acima de 38º C”.

Assim, a recolha (tratamento) da febre de uma determinada pessoa em concreto (dado pessoal), é legítima desde que realizada no âmbito de um Plano de Contingência “COVID-19” elaborado segundo as “orientações” da DGS, quer gerais, quer específicas para cada tipo de negócio, e observadas as seguintes condições:

  • O tratamento ser realizado por ou sob a responsabilidade de um profissional de saúde sujeito a sigilo profissional (médico, etc.), ou por outra pessoa igualmente sujeita a dever de confidencialidade ao abrigo do direito da União ou dos Estados-membros ou de regulamentação estabelecida pelas autoridades nacionais (sendo que, em qualquer caso. o médico apenas pode comunicar se o candidato ou o trabalhador está ou não apto para desempenhar a atividade);
  • Com garantias de segurança, nomeadamente, permissões de acesso aos dados pessoais diferenciados, em razão da necessidade de conhecer e da segregação de funções; estabelecidos requisitos de autenticação prévia de quem acede; e registo eletrónico dos acessos e dos dados acedidos;
  • Com observância estrita dos princípios e obrigações legais aplicáveis à proteção de dados pessoais estabelecidos no Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) e demais legislação de proteção de dados pessoais, bem como das “Orientações sobre recolha de dados de saúde dos trabalhadores” da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), de 23 de abril de 2020;
  • Com garantias de não discriminação, a realização prévia da respetiva avaliação de impacto sobre a proteção de dados, e, em especial, antes da recolha, o cumprimento do dever de informação para com o titular dos dados (de forma clara, simples e acessível).

Relembra a CNPD, que incumbe igualmente ao trabalhador realizar a “auto-monitorização”, e caso verifique ou suspeite ter algum dos sintomas de “Covid-19” identificados pela DGS, tomar as devidas precauções e as medidas indicadas pelas autoridades de saúde para limitar o contágio e, cumprir o “Plano de Contingência COVID-19”. De igual forma devem proceder, fornecedores, visitantes e clientes.