[weglot_switcher]

Agarrem-me senão eu saio

Apesar das derrotas no Parlamento, Boris Johnson insiste numa proposta de eleições antecipadas já na segunda-feira. O objetivo é pressionar Corbyn, que admitiu eleições desde que não houvesse Brexit desordenado a 31 de outubro.
10 Setembro 2019, 09h30

A voz embarga-se, e por momentos, parece que o deputado britânico Nicholas Soames não conseguirá evitar as lágrimas enquanto se dirige à Câmara dos Comuns. “Estou realmente muito triste por terminar assim”, diz. Soames não é um deputado qualquer. É neto de Winston Churchill, está no Parlamento há 37 anos, foi ministro da Defesa no Governo de John Major. Faz parte do grupo de 21 deputados “rebeldes” que nesta terça-feira foram expulsos do Partido Conservador por votarem a favor uma lei a impedir um Brexit desordenado a 31 de outubro, contra a orientação do líder Boris Johnson.

Para alguém cujo avô é um herói nacional que venceu a invasão nazi, juntar-se a um grupo de “rebeldes” que votou um diploma tão simbólico, apelidado pelos críticos como “Lei da Rendição”, nunca seria uma decisão tomada de ânimo leve. A tempestuosidade do líder conservador, que na semana passada solicitou a suspensão do Parlamento no que pareceu uma tentativa de evitar o bloqueio de um Brexit sem acordo, conseguiu-o. “É minha esperança mais fervorosa que esta casa redescubra o espírito de compromisso, humildade e compreensão que nos permitirá finalmente avançar com o trabalho vital no interesse de todo o país”, afirmou, no discurso em que justificou o seu desalinhamento com Johnson.

Foi o prenúncio das pesadas derrotas que Johnson enfrentou de seguida. Primeiro, com o papel determinante dos tories amotinados, foi aprovada a legislação que impede uma saída do Reino Unido a 31 de outubro, se não houver acordo com a UE, e que pode adiar o Brexit até 31 de janeiro de 2020. Depois, uma proposta de eleições antecipadas a 15 de outubro feita pelo primeiro-ministro foi inviabilizada pela oposição. O Governo precisava do apoio de 434 deputados, correspondentes a dois terços do total dos membros da Câmara dos Comuns, mas só conseguiu 298 votos a favor: o Partido Trabalhista, os Liberais Democratas e o Partido Nacionalista Escocês, os principais partidos de oposição, abstiveram-se.

As ondas de choque com a derrota não demoraram. Jo Johnson, que havia assumido o cargo de ministro de Estado no Governo do irmão mais velho, demitiu-se do Executivo. “Nas últimas semanas estive dividido entre a lealdade familiar e os interesses nacionais”, justificou, no Twitter.

Os ânimos aqueceram e, depois de um discurso inflamado esta quinta-feira, Johnson teve uma tirada que parece já ter ganho um lugar na história: “Prefiro morrer numa valeta do que pedir o o adiamento do Brexit”. Logo depois da votação que chumbou as eleições, o primeiro-ministro já tinha acusado Jeremy Corbyn,o líder trabalhista, de ser “o primeiro líder da oposição na história democrática do nosso país e recusar o convite para uma eleição”.

O líder do Labour defendeu-se e garantiu aos deputados que quer ir a eleições “porque estamos ansiosos para derrubar este Governo”. Mas acrescentou que a proposta de Boris Johnson para uma votação a 15 de outubro era “um pouco como a maçã oferecida à Branca de Neve pela rainha má”.

Corbyn prefere que o projeto de lei que impede o Brexit seja totalmente aprovado – depois da Câmara dos Comuns tem ainda de ir à Câmara dos Lordes e depois ser promulgado pela Casa Real. “Deixemos que este projeto de lei seja aprovado e obtenha a promulgação real para não acabarmos com uma saída sem acordo da União Europeia. Nessa altura apoiaremos uma eleição geral”, garantiu Corbyn, para quem a saída da UE também não tem sido fácil.

A vida de Corbyn
Se as expulsões de rebeldes e a demissão do ministro revelam feridas profundas no Partido Conservador, o Labour não vive propriamente no melhor dos mundos. As últimas sondagens mostram que as intenções de voto em Corbyn estão dez pontos percentuais abaixo do rival conservador, e no partido há desconfiança quanto ao apelo eleitoral do líder trabalhista.
O Partido Conservador parece agora focado em explorar esta fragilidade de Corbyn. O ministro responsável pelos Assuntos Parlamentares, Jacob Rees-Mogg, anunciou nesta quinta-feira que dará entrada no Parlamento uma nova proposta para a realização de eleições antecipadas, cuja votação será já na próxima segunda-feira. Esta jogada parece explorar precisamente o que Corbyn disse sobre as eleições: nessa altura a lei-travão do Brexit já estará totalmente aprovada, com a devida promulgação real, e estão reunidas as condições invocadas pelo líder trabalhista para haver uma clarificação política.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.