A secretária-geral da Associação da Hotelaria, Restauração e Simulares de Portugal (AHRESP), Ana Jacinto, em entrevista ao Económico Madeira, aborda o futuro do sector.
Ana Jacinto salienta a importância do turismo enquanto alavanca da economia nacional, alertando que a economia portuguesa só cresce se o turismo crescer.
A dirigente da AHRESP sublinha a importância de existir sinergias com diversas áreas económicas de modo a que a atividade turística consiga ser sustentável. Ana Jacinto reivindica a descida temporária do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), tal como aconteceu em vários países europeus, de modo a fazer face aos “aumentos brutais” de custos das empresas.
Defende a importância de existir sustentabilidade no turismo. Faz sentido que esse caminho se faça em sinergia com outras áreas económicas para além do sector turístico?
Claro que sim. Nós não estamos sozinhos. E precisamos de aprofundar cada vez mais todas as sinergias que possam ser aprofundadas. E todas essas sinergias devem ter por objetivo a sustentabilidade. Não é só o sector do turismo. Sabemos bem as preocupações que a sustentabilidade tem trazido. Não é só o sector do turismo até porque, a atividade turística, melhor dizendo, correlaciona-se com um conjunto enorme de outras atividades e portanto essas atividades também têm de fazer o seu trabalho para que a sustentabilidade possa ser alcançada.
A atividade turística não está sozinha depende de muitas outras atividades. Por isso dizemos, e não somos só nós a dizê-lo, finalmente muitos dos responsáveis têm dito sistematicamente que o motor da nossa economia é o turismo. Porque de facto dá provas disso como sabemos. Depois da pandemia foi o turismo que mais uma vez alavancou a nossa economia. Mas alavanca uma série de outras atividades correlacionadas. Desde logo a agricultura, a produção, o comércio, as atividades todas que giram à volta da atividade turística. Todas elas devem estabelecer sinergias e em conjunto preocupar-nos todos com a sustentabilidade. Nós não estamos sozinhos nem fazemos nada sozinhos.
A AHRESP apresentou um conjunto de medidas no âmbito do Orçamento do Estado que acabaram por ter resposta positiva do Governo. Que medidas foram essas?
Foram algumas medidas que têm a ver com alguma diminuição da fiscalidade. Mas não de forma transversal como nós desejaríamos. Porque para ter um impacto significativo nas nossas empresas precisávamos que abrangesse todas as empresas e de uma forma automática e direta.
E isso aconteceria com uma medida que já foi sinalizada pela AHRESP diversas vezes que foi uma medida implementada por vários estados europeus, durante a pandemia, que nós nunca consideramos. Que é a baixa da taxa do IVA dos serviços, alimentação e bebidas para taxa reduzida.
Para nós esta medida é automática. Porque ficamos automaticamente com tesouraria na empresa. Falta-nos tesouraria para fazer face aos encargos brutais que estamos a ter. Tivemos uma situação de uma micro-empresa que que há uns meses pagava 700 euros de eletricidade e que de repente está a pagar 2.900 euros. Isto é insustentável. É para fazer face a estes aumentos brutais de custos que estas empresas estão a ter que era preciso medidas mais transversais, mais diretas, mais automáticas. Do nosso ponto de vista a descida do IVA de forma temporária daria essa reposta.
Nós estamos a solicitar esta medida para fazer face a estes encargos adicionais que estamos agora a viver. A medida deveria do nosso ponto de vista ter a duração de um ano. Foi isso que aconteceu em vários países europeus. E com efeitos importantes. Esta medida não veio a acontecer. Também algo importante que não veio a acontecer. As bebidas não desceram todas para a taxa intermédia quando houve a reposição do IVA dos serviços de alimentação e bebidas para a taxa de 13%. A maior parte das bebidas ficaram na taxa máxima. Houve vários Orçamentos que consagraram autorizações legislativas para que o Governo ao longo do ano pudesse repor as bebidas todas à taxa intermédia. Isso nunca aconteceu. Os últimos dois Orçamentos nem contemplaram esta autorização. E agora este Orçamento continua a não contemplar. E do nosso ponto de vista isto é uma confusão tremenda. Porque nós temos no nosso sector, no caso do Continente, na Madeira as taxas são diferentes, mas por exemplo no Continente nós temos uma água natural a 13% mas se for água com gás já é 23%. Temos um café a 13% e um sumo natural a 23%. Isto é uma confusão enorme. Nós sinalizamos a necessidade de repor tudo à taxa intermédia o que não veio a acontecer.
Há um conjunto de outras medidas que incidem sobre o emprego, o rendimento do trabalho, que deveria ter uma menor carga fiscal. Numa fase que temos falta de trabalhadores. Nós temos 25 medidas em cinco eixos importantes (fiscalidade, capitalização das empresas, incentivo ao consumo, apoio ao investimento, qualificação e dignificação do emprego).
São estes eixos em que propusemos um conjunto de medidas. Vamos continuar a insistir porque o Orçamento do Estado está em discussão na Assembleia da República.
Que futuro existe para este sector?
São perguntas muito difíceis. Nós não sabemos sequer o que vai acontecer amanhã quanto mais num futuro longínquo. O que nós queremos e trabalhamos para isso é para que o turismo continue a ser o motor da nossa economia. Nós estamos a falar de um sector em que a maioria do sector são micro-empresas. É um tecido empresarial complexo. Precisa de ter ferramentas e ser apoiado para continuar a fazer aquilo que sempre soube fazer. Porque não é de agora que é um motor da economia. Sempre foi. A AHRESP sempre o disso. Não era tão reconhecido como é agora. Agora felizmente temos decisores políticos, responsáveis políticos, que afirmam que o sector é determinante para o país sistematicamente.
O que nos compete é todos em conjunto, empresários, trabalhadores, decisores, políticos, darmos as ferramentas e as condições para que este sector possa continuar a ser o motor da economia. E isso faz-se através de criar ambientes fiscais favoráveis aos negócios, porque estas empresas estão sufocadas. Nós vamos passando nos pingos da chuva porque o sector é muito resiliente, tem muita capacidade de esforço, de inovação, de se reinventar, mas há limites para tudo.
Nós não pudemos olhar passivamente, há aqui problemas graves. Nós não sabemos quanto tempo vai durar a guerra na Ucrânia, o que vai acontecer com a inflação que não para de subir. Nós ainda não tivemos mas vamos ter brevemente o efeito nas taxas de juro nas famílias. E isso vai fazer com que as famílias percam poder de compra e isso vai afetar automaticamente o nosso sector. Porque nós não vivemos só do turismo internacional, há um mercado interno.
Há também uma possível recessão ….
Sim. Há quem fale numa recessão, há quem diga que Portugal consegue escapar a essa recessão. É tudo muito incerto.
Depois de percebermos que tudo o que acontece à nossa volta é muito incerto. É muito difícil fazer futurologia. Queremos que este sector continue a ser um motor e vamos fazer todos os possíveis para que isso aconteça e se mantenha.
Há que não esquecer a necessidade de continuar a aprimorar a qualidade do nosso serviço. Há aqui um tema que não falamos muito mas que é determinante que é os trabalhadores. Nós precisamos de ter trabalhadores e precisamos de ter trabalhadores qualificados. Isto tem sido um dos maiores flagelos deste sector e não só. É um problema generalizado. E não é só um problema em Portugal. Mas aquilo que nos interessa é as nossas dores. O sector está com esse grave problema.
A AHRESP já apresentou um conjunto de soluções e caminhos que devem ser preconizados e no congresso que tivemos houve também a oportunidade de tirar conclusões sobre estes temas.
Não podemos ficar de braços cruzados. Temos de fazer, temos de caminhar. Tivemos uma reunião com a secretária de Estado, do Turismo, Serviços, Comércio. Uma das coisas que falamos é que precisamos rapidamente de retomar o tema da campanha de valorização das nossas profissões. As nossas profissões estão desvalorizadas. Não tem que ver com as remunerações. Mas não é o tema. Porque estas atividades nos últimos anos foram uma das atividades onde mais cresceu os salários. É evidente que os salários é importante. Por isso foi assinado recentemente o acordo de rendimentos. E para as empresas há um esforço enorme que está a ser solicitado. E a AHRESP já está a negociar contratos coletivos com base neste acordo. Esse caminho está a ser feito.
Mas a questão das remunerações não é o tema fundamental nestas atividades. Para nós, e as conclusões a que temos chegado depois de muitas reflexões que temos feito com empresários, trabalhadores, gestores, a questão prende-se com a dureza da profissão. Isto é uma profissão que trabalha 24 horas sobre 24 horas, sábados, domingos, feriados. Isso não é uma atividade simples. É uma atividade complexa. E precisamos de melhorar esta organização dos tempos de trabalho. E precisamos de valorizar a profissão. E a campanha de valorização desta profissão ficou interrompida com a pandemia. É um tema que temos de voltar a caminhar e a trilhar. A par do crescimento da remuneração, a par da melhor organização dos tempos de trabalho. A par de muitos outros fatores. Mas os passos têm de ser dados. Porque nós precisamos de prestar um serviço de qualidade.
Toda a gente conhece os prémios que temos vindo a receber. Continuamos a estar na moda. O facto de continuarmos a ser um país seguro é importantíssimo. Mas tudo isso tem de continuar a ser intensificado. Temos de continuar a caminhar no sentido de prestarmos um serviço de qualidade e de excelência.
Queremos um turismo que deixe mais valor e que deixe mais receitas no país. E para isso temos de continuar este trabalho, que é um trabalho constante. O difícil não é chegar ao topo, é mantermo-nos no topo. E é esse trabalho que temos de continuar a fazer.
O que vai ser do futuro? Não sei. Nós temos é de continuar todos a trabalhar para que este sector continue a ser o futuro do nosso país. Porque é aquilo que tem sido ao longo deste tempos. É a locomotiva da nossa economia. E a nossa economia só cresce se o turismo crescer.
Conteúdo do Económico Madeira de 4 de novembro.
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