A Covid-19 colocou uma pressão sem precedentes no nosso Sistema Nacional de Saúde, com consequências diretas nos cuidados de saúde, obrigando ao cancelamento de consultas e exames e até mesmo à suspensão da atividade clínica de várias especialidades.

Este cenário é particularmente grave no caso de pacientes oncológicos em que o atraso, quer no diagnóstico, quer no tratamento, pode ter consequências fatais. No final de 2020, Timothy P Hanna et all, fizeram uma revisão sistemática da associação entre tratamentos de cancro adiados e mortalidades aumentadas e concluíram que “um atraso de quatro semanas no tratamento está associado a um aumento na mortalidade em todas as formas comuns de tratamento de cancro, com atrasos mais longos a serem mais prejudiciais. No caso do cancro da mama um atraso de oito ou 12 semanas na cirurgia aumenta o risco de morte em 17 e 26%”. Este tipo de consequências nota-se também no atraso no diagnóstico de um cancro, por exemplo, no Reino Unido a taxa de sobrevivência a 5 anos de pacientes com cancro da mama diagnosticado em estádio I é de 97,9%, e a de estádio IV somente de 26,2%.

Consciente não só deste tema, mas também do longo caminho que ainda há pela frente no diagnóstico e tratamento destes pacientes, a Comissão Europeia apresentou, no dia Mundial contra o Cancro, o seu novo plano “Combater o Cancro” que propõe uma “nova abordagem da UE à prevenção, tratamento e cuidado” da doença e um financiamento de quatro mil milhões de euros para o efeito. O mesmo é centrado em novas tecnologias, investigação e inovação para suporte à prevenção, deteção precoce, diagnóstico, tratamento e melhoria da qualidade de vida. Em contextos como o atual fica mais premente esta necessidade de investir em tecnologias de informação e na virtualização dos diagnósticos e cuidados de saúde, permitindo dar um acesso mais equitativo e protegido a todos os pacientes oncológicos.

Neste momento já existe a tecnologia necessária para suportar esta virtualização e descentralização de cuidados. A explosão da telemedicina durante a pandemia demonstrou que o acesso aos médicos mais reputados na área oncológica, nas fases de diagnóstico e follow up, não tem que ser só presencial e pode passar por uma combinação de exames realizados em centros de proximidade do doente, pela utilização de instrumentos como estetoscópios eletrónicos ou medidores digitais pelo próprio paciente e por teleconsultas com estes oncologistas.

No entanto, a implementação desta realidade carece de uma maturidade ao nível da integração de dados clínicos do doente que Portugal ainda não atingiu, talvez menos por motivos técnicos e mais por motivos legais e/ou ideológicos. Embora a desmaterialização das prescrições de meios complementares de diagnóstico tenha sido um avanço considerável, e seja já uma realidade em quase todo o nosso território, não existe ainda um registo centralizado do doente, que possa ser atualizado por todos os intervenientes (físicos ou virtuais) neste processo de diagnóstico e acompanhamento do mesmo.

A pandemia motivou uma enorme disrupção nos cuidados de saúde tradicionais e deixa em aberto várias oportunidades para inovação, que tinha vindo a acontecer na oncologia (como nos fármacos, procedimentos cirúrgicos, testes de diagnóstico), mas não tanto na área de prestação e entrega de cuidados de saúde oncológicos. Estas oportunidades podem e devem ser aproveitadas, ao mesmo tempo que se trabalha na eliminação das barreiras à operacionalização das mesmas.