Desde que ruiu o Bloco de Leste e o seu modelo de socialismo – tendo como momento iconográfico a destruição do muro de Berlim –, que não se tem assistido a rupturas civilizacionais.
O fim da União Soviética, e a mudança de regime nos países desse Bloco, gerou algumas guerras (ex. Guerra dos Balcãs), novas nações (ex. República Checa e Eslováquia), unificações (Alemanha) e uma transição de regime económico e político, do chamado comunismo real para o capitalismo. Esse foi um momento histórico de ruptura civilizacional, de reconfiguração geopolítica e geoestratégica.
Fora isso, temos assistido à continuação da mui antiga tensão no Médio Oriente (com diversos conflitos armados – Síria, Iraque, Palestina) e ao problema do terrorismo islâmico (que tem causado efeitos reais no Ocidente, com os diversos ataques terroristas que assolam a Europa ou os EUA), mas nada de verdadeiramente transformador tem acontecido nessa região do globo.
Entretanto, o século XXI tem trazido um conjunto de sinais de uma instabilidade latente no mundo, mas que não se tem traduzido em revoluções capazes de provocar alterações à ordem mundial estabelecida.
Sabemos que a globalização descontrolada que nos governa tem provocado aumentos do PIB per capita mundial mas, ao mesmo tempo, tem aumentado as desigualdades, gerado oscilações económicas acentuadas por causa das bolhas especulativas que propicia, permitido a continuação de regimes ditatoriais, oligárquicos e pseudodemocracias, e tem enfraquecido o poder das democracias ocidentais.
Como sinais desse desequilíbrio interno no processo da globalização temos a Primavera Árabe (que acabou por ser uma revolução de pólvora seca, com regimes ditatoriais a serem substituídos por outros) e diversas tensões no seio da UE: primeiro com referendos sobre os tratados que foram repetidos até darem o “sim”, depois com a Grécia a ameaçar não ceder às exigências dos credores mas no fim do dia a obedecer, ainda a Escócia a optar por continuar no Reino Unido e, agora, com a Catalunha a dizer que “faz e acontece” mas, na prática, a não declarar independência. Todos sucumbem à força da ordem económica mundial que tem a capacidade de cortar financiamento aos bancos e aos países, mover as empresas, gerar o ostracismo económico.
A única excepção foi o Brexit, mas que se tem demonstrado um processo muito burocrático, que se vai arrastar até 2019, e que tenho muitas dúvidas que seja irreversível.
Finalmente, tivemos a eleição de Donald Trump, uma personagem que dizia ser anti-sistema, mas que é um dos representantes do sistema, porém, dados os seus traços de personalidade, reveste-se de uma imprevisibilidade que o próprio sistema tende a não apreciar. Vejam-se as tensões com a Coreia do Norte (conduzida por um lunático) e com o Irão, que têm capacidades nucleares, provocadas pelos tweets inopinados de Trump.
Pode dizer-se que, felizmente, ainda não assistimos a verdadeiras rupturas. Porém, a direcção que estamos a tomar, temo que torne inevitável tais choques, com consequências trágicas. Uma coisa é certa, a globalização selvagem e não democrática que nos está a condicionar tem que ser controlada. Caso contrário, o tempo das fracturas não tardará a chegar.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.