A Alemanha sente tradicionalmente uma responsabilidade especial para com Israel, depois dos acontecimentos terríveis que marcaram a II Guerra Mundial — e que analistas, como o embaixador Seixas da Costa, consideram determinantes face à pouca assertividade com que os germânicos costumam comentar (ou mais propriamente não comentar) as atividades extremistas de sucessivos governos israelitas. No entanto, o atual chanceler, o democrata-cristão Friedrich Merz, parece estar apostado em marcar as iniciativas internacionais da Alemanha (repercutindo-as na União Europeia) de uma forma bem mais explícita. É nesse quadro que se explica o fato de, esta semana, Merz ter recordado que a Ucrânia tem “há meses” autorização para usar material oriundo da União em ataques diretos a solo russo, e esta terça-feira ter endurecido a postura em relação a Israel.
Assim, o ministro das Relações Exteriores da Alemanha ameaçou tomar medidas não especificadas contra Israel e afirmou que Berlim não vai exportar armas que sejam usadas para violar as leis humanitárias. Foi a declaração mais severa até agora verbalizada pelo governo germânico em relação ao que está a suceder na Faixa de Gaza.
Recorde-se que a Alemanha é um dos países europeus que, juntamente com os Estados Unidos, tem servido há muito de suporte à conduta de Israel desde os ataques do Hamas em 7 de outubro de 2023, mesmo com o crescente isolamento israelita a nível internacional. A ‘reviravolta’ ocorre num momento em que a União Europeia está a rever a sua própria política para Israel, com o Reino Unido, a França e o Canadá a ameaçarem também “ações concretas” em relação a Gaza.
Em declarações à emissora WDR, o ministro das Relações Exteriores, Johann Wadephul, alertou que o apoio histórico da Alemanha a Israel não deve ser instrumentalizado, uma vez que os ataques aéreos maciços e a escassez de alimentos e medicamentos tornaram a situação em Gaza “insuportável”.
Já anteriormente, Merz criticara os ataques aéreos em Gaza por não terem justificação face à necessidade de lutar contra o Hamas e, nesse contexto, serem “incompreensíveis”. Os analistas afirmam que a mudança de tom é significativa num país cuja liderança segue uma política de responsabilidade especial com Israel, conhecida como ‘Staatsraison’.
“A nossa luta comprometida contra o antissemitismo e o nosso total apoio ao direito de existir e à segurança do Estado de Israel não devem ser instrumentalizados no quadro do conflito e da guerra atualmente travados na Faixa de Gaza”, disse Wadephul. “Estamos agora num ponto em que temos que pensar muito cuidadosamente sobre que medidas tomar”, acrescentou, sem dar mais detalhes, exceto um: “não forneceremos armas para que não haja mais danos”, sublinhando que nenhuma nova encomenda de armas está a ser considerada neste momento.
A mudança na postura do governo ocorre, refere a imprensa germânica, depois de os social-democratas do SPD, parceiros da coligação do governo com a CDU, terem exigido a interrupção das exportações de armas para Israel, sob pena de a Alemanha demonstrar cumplicidade com crimes de guerra. O embaixador de Israel em Berlim, Ron Prosor, reconheceu as preocupações alemãs, mas não assumiu nenhum compromisso. “Quando Friedrich Merz levanta críticas a Israel, nós ouvimos com muita atenção porque ele é um amigo”, disse Prosor, citado pela imprensa alemã.
Uma sondagem da Civey, publicada no jornal ‘Tagesspiegel’ esta semana, mostrava que 51% dos alemães opõem-se à exportação de armas para Israel. Por outro lado, apenas 36% dos alemães veem Israel positivamente (em maio), segundo uma sondagem da Fundação Bertelsmann, abaixo dos 46% registados em 2021. Apenas 25% dos alemães reconhece uma responsabilidade especial para com o Estado de Israel, enquanto 64% dos israelitas acreditam que a Alemanha tem uma obrigação especial, ainda segundo a fundação.
Recordar Golda Meir: já há um Estado árabe
Os esforços para reativar um cessar-fogo de curta duração, que fracassou em março passado, fizeram poucos progressos. Um observador afirmou que as negociações ainda estão a acontecer em Doha e que ainda há uma possibilidade de um acordo.
A atuação do governo de Benjamin Netanyahu tem sido a da ‘terra queimada’, não escondendo que não está minimamente interessado em manter Gaza como uma terra da Palestina. Há muito que Netanyahu tem demonstrado estar interessado em que Israel tome conta de Gaza e, segundo muitos analistas, tratará de fazer o mesmo (ou já está a fazer) na Cisjordânia. No limite, Netanyahu tem demonstrado não estar interessado na solução dos dois Estados.
Vale a pena recordar o que dizem os sionistas históricos sobre a matéria. Esta corrente de pensamento desenvolveu uma teoria, algures 20 anos depois da fundação do Estado de Israel, segundo a qual já existem dois Estados — um judaico e outro palestiniano — na região. Deste ponto de vista, o Estado palestiniano (com outro nome) é a Jordânia. Portanto, dizem, se os palestinianos querem viver num Estado palestiniano (mesmo que com outro nome), devem rumar à Jordânia.
Numa entrevista histórica da antiga primeira-ministra israelita Golda Meir (uma socialista, curiosamente nascida em Kiev, capital da Ucrânia), dizia: “Entre Israel e aquilo a que agora se chama a Jordânia, não se pode criar outro Estado árabe. No território compreendido entre o Mediterrâneo e a fronteira do Iraque, há apenas lugar para dois países: um árabe e um judaico. O importante é que não nasça um terceiro Estado, árabe, entre nós e a Jordânia.” Tudo leva a crer que Netanyahu tem exatamente o mesmo ponto de vista de Golda Meir.
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