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Alemanha: mercados permanecem indiferentes à vitória da extrema-direita

Os mercados vão-se habituando? Provavelmente sim, mas convém recordar que as eleições foram meramente regionais. De qualquer modo, o chanceler alemão está claramente em final de carreira.
2 Setembro 2024, 12h13

Os comentadores e as sondagens indicavam que ia acontecer: a extrema-direita germânica averbou a primeira vitória em eleições regionais desde a II Grande Guerra. É apenas mais um passo da caminhada dos extremistas de direita para uma relevância política que se manifestou há quase uma década em toda a Europa e na América do Norte – mas os mercados, que tradicionalmente se dão bem com os conservadores e menos bem com social-democratas e socialistas, entram sempre em stress quando estas vitórias acontecem. Felizmente para os investidores, é sinal que costuma passar depressa.

Com a vitória este domingo do AfD no Estado alemão da Turíngia e uma ‘quase vitória’ na Saxónia – a que corresponde uma derrota política da coligação SPD/Verdes/Liberais que está no comando do governo federal – os mercados reagiram com indiferença. Como era de esperar. Mesmo que um dos partidos que mais importância tomou nas regiões onde houve eleições foi a muito esquerdista formação criada em janeiro pela ‘ex-Die Link’ Sahra Wagenknecht – e a isto é que os mercados nunca irão habituar-se.

Para os analistas, e apesar de o que aconteceu enviar uma mensagem muito clara sobre o possível futuro da Alemanha – cada vez mais em crise – e, portanto, da União Europeia, os mercados financeiros quase não reagiram. E se estão em baixa ligeira, isso deve-se mais aos fracos dados de atividade económica na China e às movimentações do emprego nos Estados Unidos que aos ‘estados de alma’ dos germânicos do leste.

Mas esta indiferença durará quanto tempo, perguntam os analistas? “Porque é que um comerciante de câmbios de Connecticut ou Singapura deveria preocupar-se com o que o povo da Saxónia ou da Turíngia vota numa eleição regional? Não é surpreendente, à primeira vista, que os mercados cambiais tenham começado esta manhã exatamente nos mesmos níveis que fecharam na sexta-feira”, refere Ulrich Leuchtmann, especialista em mercados cambiais do Commerzbank, citado em comunicado.

“Não há necessidade de imaginar um cenário em que os partidos céticos da UE se tornem cada vez mais fortes (embora isso provavelmente seja mais provável partir de hoje). Mesmo agora, o fortalecimento desses movimentos políticos está a forçar os partidos estabelecidos – que temem mais perdas de eleitores – a fazer concessões”, observa o analista.

Depois das eleições europeias e do ‘vendaval’ Le Pen (e associados) em França, os mercados tratam de reagir com otimismo – não reagindo. O que aconteceu na Alemanha fez soar os alarmes, é verdade – mas eles estão a soar há tanto tempo que já ninguém liga. “A Alemanha está a enfrentar uma economia em declínio e críticas crescentes à ajuda à Ucrânia. O facto de a Alemanha e a França – a dupla líder da UE – estarem a mover-se em direção a uma crescente instabilidade e fraqueza política deve preocupar toda a UE”, escrevem os analistas do banco sueco SEB.

Mas o um analista do Commerzbank, citado pelo jornal “El Economista” pergunta se, no caso hipotético de uma nova crise na Zona Euro, um governo alemão estaria disposto a implementar uma política de resgate ao estilo do que aconteceu entre 2010 e 2012. “É claro que uma nova crise da Zona Euro não está prevista. No entanto, a falta de mecanismos de combate a essa hipotética crise não deveria aumentar o prémio de risco sobre as posições em euros? Afinal, um carro sem cinto de segurança é considerado inseguro, e não apenas quando a colisão é iminente. E uma coisa também é clara: enquanto os bunds forem o porto seguro da Zona Euro, dificilmente haverá hipótese de um resgate organizado pelo governo sem o envolvimento da Alemanha”, disse Leuchtmann. O analista esqueceu-se, aparentemente, do PRR europeu: pode não haver um mecanismo institucionalizado de defesa do euro, mas que quando é preciso ele aparece, lá isso aparece.

Ou então não se esqueceu: “É preciso ter em conta que em 2012 não foram os governos que conseguiram combater a crise. As suas medidas não foram suficientemente fortes. Talvez porque, mesmo assim, alguns governos (incluindo o da Alemanha) não quisessem impor um “custe o que custar” ao seu próprio eleitorado. O ‘redentor’ “o que for preciso” tinha que vir do BCE. É o BCE que fornece o mecanismo de apoio para evitar uma escalada crítica no mercado de títulos soberanos”, refere. O que, entre outras coisas, quer dizer que a resposta federada às crises está a funcionar.

“Enquanto o mercado cambial acreditar que isso não mudará, mesmo que os partidos críticos da UE se tornem mais fortes, não há razão para revalorizar o euro devido a alguns resultados eleitorais. Se no futuro houvesse alguma razão para rever essa posição – e não me atrevo a prever se isso acontecerá – até mesmo os resultados eleitorais dos estados federais alemães seriam relevantes para o mercado”, conclui Leuchtmann.

Enquanto o AfD evolui, os economistas olham para Berlim – que permanece em ‘processo de crise em curso’. A paralisia económica e o debate em torno do apoio à Ucrânia estão a minar a confiança dos alemães no seu governo federal. Com o tempo do gás russo barato a ser uma memória grata, o chanceler Olaf Scholtz parece ter os dias (políticos) contados e a viabilidade do atual governo é fraca. De qualquer modo, isso parece importar pouco: os alemães são muito adversos a eleições antecipadas e nenhum analista coloca a hipótese de a legislatura do SPD (e ‘amigos’) não chegar ao fim.

 

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