Faço parte dos europeus preocupados com o presente e o futuro da Europa. Embora se esteja – felizmente ­– a escrever e a falar sobre esta apreensão, nunca seria um tema redundante se o trouxesse aqui.

A história tem-nos mostrado (menos do que o desejável) como tantas tragédias aconteceram porque se fecharam mundos – políticos, analistas, jornalistas, intelectuais, cientistas, artistas e tantos outros de uma lista de categorias sociais (onde me incluo, naturalmente) de onde deveríamos poder esperar maior conhecimento, lucidez e antecipação sobre o que se passa à nossa volta e, não menos importante, maior capacidade de mobilização em termos de esclarecimentos e troca de ideias no espaço público.

Mesmo não arriscando redundância (é um tema urgente), é outro o meu centro, e espero conseguir dar conta da relação com o primeiro.

O que trago talvez tenha a aparência de pouca nobreza de intenções, ou de algum imediatismo simplista: uma notícia curta, um pouco descontextualizada, mas interessante como contribuição para acreditarmos em mais Europa, ou numa Europa que se conheça melhor a si própria e que, por essa via, se torne mais forte.

Na divulgação do anuário de 2017/2018 do Observatório Europeu do Audiovisual (OEA) – “Televisão, cinema, vídeo e serviços audiovisuais on-demand: o retrato pan-europeu” –, o título do comunicado de imprensa era uma exclamação: “28% of films on TV are European!”.

Boas notícias. Um tanto descontextualizadas, como dizia (o marketing é assim mesmo), porque se referem a uma amostra, não representativa, de 18 países – Portugal não consta. Na leitura que aqui faço do entusiasmo veiculado na nota de imprensa do OEA, temos razões para algum otimismo (é sempre uma face do desejo…), no que respeita a resultados de várias décadas de políticas europeias para o cinema e o audiovisual – muito tempo para a urgência, (sempre) pouco tempo para resultados visíveis.

Genericamente, o anuário dá conta de mais permanências do que mudanças, designadamente sobre o peso ainda hegemónico dos Estados Unidos no que se vê na Europa; e a forte desigualdade entre os países europeus.

Porém, a exclamação está longe de ser displicente. Primeiro, porque o cinema, em sentido lato, constitui um poderosíssimo elemento da produção e reprodução de culturas, identidades e valores. Depois, porque as relações entre as componentes comercial e pública, de um lado, de entretenimento e arte, do outro, são especialmente complexas – e o casamento entre liberalismo económico desenfreado e transformação digital não facilita propriamente as políticas públicas para o ‘setor’.

Neste contexto, conhecermo-nos e fortalecermo-nos enquanto europeus pode passar muito (nunca bastante) pelas políticas de produção, distribuição e exibição de cinema e audiovisual – não apenas nacionais, mas europeias. Sob algumas condições: evitando protecionismos primários, inúteis ou impossíveis (rapidamente se tornam antidemocráticos); recusando concessões excessivas ao modelo americano de entretenimento (que se pagarão sempre a prazo; e, para sermos todos iguais, então a questão reduz-se ao mercado e à concorrência); promovendo a diversidade e a qualidade cultural dos conteúdos (e, portanto, a liberdade, quer dos autores, quer dos públicos).

Não se trata apenas de lembrar que não se pode gostar daquilo que não se conhece. Trata-se, acima de tudo, de reconhecer que só se pode escolher (avaliar) em liberdade quando se dispõe de um conhecimento bastante da totalidade disponível. Isto quer dizer que a liberdade de escolha estará necessariamente associada à maior exigência de quem escolhe. Conhecermos a Europa é condição prévia a sabermos o que queremos e podemos fazer dela (e de nós) – e o cinema pode ajudar-nos.

Tenho estado a derivar livremente a partir de uma exclamação com objetivos de atrair a atenção (conseguidos, no meu caso!). No mesmo registo, deixo o convite a espreitar as séries europeias que a RTP2 nos tem disponibilizado. Um amigo, que me dispenso de identificar mas que sei avesso a cultura de entretenimento fácil, exclamava (cito de cor): “Com estas séries, a Europa não precisa de Hollywood!”.

Não irei tão longe, lá se me iria, entre outras coisas, a tese da diversidade. Mas concordo que, além de uma espécie de ‘entretenimento de qualidade’, elas nos podem ajudar a aproximar de países que (ainda) estão longe de nos serem familiares, desde logo, em vários casos, pela língua. Mesmo pouco vistas – a quota de audiência da RTP2 era de 1,5% em Janeiro –, saber da sua presença já contribui para colorir a nossa paisagem cognitiva e cultural.

Com o tempo, sempre com o tempo, também pode passar por aqui a construção da consciência de uma Europa tangível! (Exclamação, claro!)