[weglot_switcher]

Alkantara 2024: olhar de frente o luto, a injustiça, a violência e pensar que nem tudo está perdido

No Alkantara Festival não se gritam alertas, pinta-se o mundo como aquilo que é, uma obra coletiva ora dolorosa, ora otimista, injusta e catártica, contraditória, violenta, paradoxal. Mas sem abdicar da esperança. De 15 de novembro a 1 de dezembro, o Alkantara agita Lisboa.
Hatched Ensemble, © Patrick van Vlerken
14 Novembro 2024, 19h32

Tenho 91 anos e quero fazer amor todos os dias. Não ajuíze, ouça o que diz uma das personagens de “A vida secreta dos velhos”, do encenador e escritor Mohamed El Khatib. Será o fim da vida o fim do amor?, questiona este espetáculo/performance, para o qual El Khatib entrevistou pessoas na idade maior para compor uma narrativa sobre uma sexualidade que já não se conforma com o desempenho ou a pressão social, mas desenvolve o seu próprio ritmo, o seu próprio tempo (23 e 24 de novembro).

Este não é o espetáculo inaugural do Alkantara Festival, que tem início hoje e decorre em diversos espaços de Lisboa até dia 1 de dezembro. Não seguimos a cronologia, saltamos no tempo, porque nesta edição se fala de temas intemporais, que não obedecem a qualquer cronologia: vida, morte, amor, violência. O festival de artes performativas que há mais de três décadas desassossega construindo pontes – honrando o seu nome, que significa “ponte” na língua árabe – para fazer pensar com “Danças e histórias entre a vida e a morte, a morte e a vida”.

Mamela Nyamza, coreógrafa e bailarina sul-africana, apresenta o seu trabalho pela primeira vez em Portugal. Em “Hatched Ensemble” (16 e 17 novembro), Nyamza procura desmistificar e desconstruir normas de dança clássica para, no final da performance mostrar como ballet, danças africanas e dança contemporânea não se excluem umas às outras, antes criam novas camadas que tornam o indivíduo mais rico na pluralidade.

Olhar de frente os perigos da indiferença

As palavras Nigamon e Tunai têm o mesmo significado nas línguas anishinaabemowin e inga, respetivamente: “canção”.

No Alkantara Festival são o ponto de partida de um manifesto poético da encenadora, escritora e atriz Émilie Monnet e da artista interdisciplinar, escritora e consultora de política cultural Waira Nina. A sua amizade e solidariedade, a par do movimento que, nos últimos 12 anos, têm mediado entre comunidades indígenas do Norte e do Sul, trazem a Lisboa as lutas que as unem numa ‘ponte’ entre a Colômbia e o Canadá, seus países de origem.

Nesse ‘Norte’ prosperam empresas petrolíferas e de mineração que atuam na Amazónia colombiana, no território do povo inga, destruindo e saqueando recursos, como o cobre, centrais na cultura anishinaabe. (16 e 17 novembro, Teatro do Bairro Alto). No dia 17, após o espetáculo, haverá uma conversa com Émilie Monnet, Waira Nina e Ritó Natálio.

Imigração e pertença numa história autobiográfica é o que Keli Freitas, brasileira residente em Portugal, se propõe abordar “Em Volta Para a Tua Terra”, partindo em busca da sua bisavó portuguesa, ao mesmo tempo que refaz a sua própria trajetória, o que deixou para trás e o que aqui encontrou (21 a 23 de novembro).

Nesta edição, o Alkantara Festival estreia-se no Estúdio do recém-renovado Centro de Arte Moderna Gulbenkian, com o projeto em curso da coreógrafa Sonya Lindfors e da escritora e ativista Maryan Abdulkarim, “Deveríamos Estar a Sonhar”. Sonhar o quê? Sonhos radicais e utópicos de futuros em comum (23 e 24 de novembro). É isso que vai acontecer em torno de uma refeição partilhada, durante a qual o público é convidado a conviver ouvindo, discutindo, sonhando. A mensagem tem tanto de simples como de complexo: resistir à dura realidade que nos rodeia está ao alcance de qualquer pessoa.

E se o luto, a injustiça e a violência estão cruamente presentes neste Alkantara, também há espaço para futuros mais otimistas.

Alkantara Festival | vários espaços de Lisboa | até 1 dezembro. Veja aqui o programa completo.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.