Tenho 91 anos e quero fazer amor todos os dias. Não ajuíze, ouça o que diz uma das personagens de “A vida secreta dos velhos”, do encenador e escritor Mohamed El Khatib. Será o fim da vida o fim do amor?, questiona este espetáculo/performance, para o qual El Khatib entrevistou pessoas na idade maior para compor uma narrativa sobre uma sexualidade que já não se conforma com o desempenho ou a pressão social, mas desenvolve o seu próprio ritmo, o seu próprio tempo (23 e 24 de novembro).
Este não é o espetáculo inaugural do Alkantara Festival, que tem início hoje e decorre em diversos espaços de Lisboa até dia 1 de dezembro. Não seguimos a cronologia, saltamos no tempo, porque nesta edição se fala de temas intemporais, que não obedecem a qualquer cronologia: vida, morte, amor, violência. O festival de artes performativas que há mais de três décadas desassossega construindo pontes – honrando o seu nome, que significa “ponte” na língua árabe – para fazer pensar com “Danças e histórias entre a vida e a morte, a morte e a vida”.
Mamela Nyamza, coreógrafa e bailarina sul-africana, apresenta o seu trabalho pela primeira vez em Portugal. Em “Hatched Ensemble” (16 e 17 novembro), Nyamza procura desmistificar e desconstruir normas de dança clássica para, no final da performance mostrar como ballet, danças africanas e dança contemporânea não se excluem umas às outras, antes criam novas camadas que tornam o indivíduo mais rico na pluralidade.
Olhar de frente os perigos da indiferença
As palavras Nigamon e Tunai têm o mesmo significado nas línguas anishinaabemowin e inga, respetivamente: “canção”.
No Alkantara Festival são o ponto de partida de um manifesto poético da encenadora, escritora e atriz Émilie Monnet e da artista interdisciplinar, escritora e consultora de política cultural Waira Nina. A sua amizade e solidariedade, a par do movimento que, nos últimos 12 anos, têm mediado entre comunidades indígenas do Norte e do Sul, trazem a Lisboa as lutas que as unem numa ‘ponte’ entre a Colômbia e o Canadá, seus países de origem.
Nesse ‘Norte’ prosperam empresas petrolíferas e de mineração que atuam na Amazónia colombiana, no território do povo inga, destruindo e saqueando recursos, como o cobre, centrais na cultura anishinaabe. (16 e 17 novembro, Teatro do Bairro Alto). No dia 17, após o espetáculo, haverá uma conversa com Émilie Monnet, Waira Nina e Ritó Natálio.
Imigração e pertença numa história autobiográfica é o que Keli Freitas, brasileira residente em Portugal, se propõe abordar “Em Volta Para a Tua Terra”, partindo em busca da sua bisavó portuguesa, ao mesmo tempo que refaz a sua própria trajetória, o que deixou para trás e o que aqui encontrou (21 a 23 de novembro).
Nesta edição, o Alkantara Festival estreia-se no Estúdio do recém-renovado Centro de Arte Moderna Gulbenkian, com o projeto em curso da coreógrafa Sonya Lindfors e da escritora e ativista Maryan Abdulkarim, “Deveríamos Estar a Sonhar”. Sonhar o quê? Sonhos radicais e utópicos de futuros em comum (23 e 24 de novembro). É isso que vai acontecer em torno de uma refeição partilhada, durante a qual o público é convidado a conviver ouvindo, discutindo, sonhando. A mensagem tem tanto de simples como de complexo: resistir à dura realidade que nos rodeia está ao alcance de qualquer pessoa.
E se o luto, a injustiça e a violência estão cruamente presentes neste Alkantara, também há espaço para futuros mais otimistas.
Alkantara Festival | vários espaços de Lisboa | até 1 dezembro. Veja aqui o programa completo.
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