Escrevo este artigo de África, onde os impactes das alterações climáticas são hoje questões económicas e financeiras. Estou esta semana a trabalhar com uma agência de desenvolvimento europeia que quer financiar projetos que ajudem o país a ganhar resiliência climática e, consequentemente a ter menos perdas económicas, financeiras e, obviamente, humanas.
Quem disser que as alterações climáticas não existem e não impactarão Portugal, não está a ser intelectualmente honesto, tem falta de informação, tem desconhecimento e, portanto, é ignorante.
Em 2022 o Banco de Portugal publicou um documento intitulado “As Alterações Climáticas e a Economia: uma introdução”, onde reconhece que o aumento da temperatura tem um impacte negativo no Produto Interno Bruto. Isto porque se identifica que o impacte das alterações climáticas, através do aumento estrutural da temperatura, têm vários canais de transmissão à economia real, nomeadamente:
- Preços: desastres ambientais como cheias, secas, tempestades que podem destruir culturas, podem originar aumentos de preço, logo inflação;
- Produtividade: aumentos de temperatura podem levar a quebras de produtividade devido à falta de preparação dos edifícios e casas para essas situações;
- Comércio internacional: desastres ambientais, alterações da profundidade das águas do mar, deslocação de terras e areias, podem levar à diminuição de certos fluxos de comércio internacional que, por sua vez, podem levar à deslocalização de empresas, perdas de competitividade e aumento de desemprego;
- Stock de capital na economia: desastres ambientais que destroem estradas, casas e fábricas podem levar a uma baixa de produtividade e a uma redução de atratibilidade do país a investimento estrangeiro;
- Seguros: o aumento da frequência de situações de cheias, deslocamento de terras, incêndios, entre outros, poderá fazer com que seguros contra esses riscos não estejam disponíveis no mercado, por serem riscos com uma probabilidade de ocorrência perto de 100%. Sem seguros, fábricas e casas, por exemplo, perdem valor;
- Doenças: além das perdas de PIB que conseguimos facilmente compreender que irão existir, o aumento da temperatura levará também a novos riscos de saúde, devido a novas doenças que entrarão no território, às ondas de calor que elevam a mortalidade, entre outros aspetos. Tudo isto, obviamente, a ocorrer, tem um impacte negativo na economia de qualquer país.
A existência dos riscos acima descritos passam também a ser relevantes para toda a economia, uma vez que os bancos centrais já reconheceram que os riscos climáticos são riscos financeiros. A nível mundial, o que está “em cima da mesa” é a integração do risco climático na política de supervisão e na política monetária dos bancos centrais. Ou seja, todas as empresas terão de explicar aos bancos credores como estão a gerir os riscos climáticos, pois essa informação vai ser solicitada pelos bancos centrais aos bancos de retalho.
Por isso, quem diz que as alterações climáticas não existem e que não há motivo para novas políticas, tem um grave problema de falta de informação. Diria mesmo que, quem afirma que as alterações climáticas não são relevantes para a economia portuguesa, está a prejudicar as empresas, pois está a aconselhá-las a ignorar aquilo que o setor financeiro e os financiadores estão devidamente a solicitar, e que é a evidência deste novo risco estar a ser devidamente gerido pelas empresas.
Além do mais, reforçar que o tema não é relevante, é dificultar o acesso ao financiamento de fundos comunitários e de investidores privados, pois, obviamente, quer-se investir em projetos cujos riscos conhecidos sejam geridos.
Parece-me evidente que Portugal é um país que já está a sofrer os impactes das alterações climáticas. Parece-me evidente que, se os bancos centrais do mundo inteiro (incluindo África) estão a atualizar os seus modelos de risco sobre o funcionamento da economia, é porque eles “lá saberão” que este tema é importante.
Assim, afirmar que o “clima” não é relevante para as empresas, não me parece ser o que as evidências técnicas, académicas e ações no terreno confirmam. Faz sentido, sim, haver coragem para admitir que a transição para uma economia neutra em carbono e resiliente às alterações climáticas deve ter um financiamento forte de fundos europeus e, também, um investimento público significativo.
Esta realidade parece ser bastante mais difícil de comunicar. Talvez por ser mais difícil de compreender por parte da população, mas, possivelmente, bem mais próxima da verdade. E em democracia temos o dever de dizer a verdade. Não temos o direito de mentir e enganar.