Álvaro Santos Pereira está indigitado para o cargo de Governador do Banco de Portugal (BdP) para o qual foi proposto pelo ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, tendo sido aprovado na reunião de Conselho de Ministros de 24 de julho e esta quarta-feira é ouvido na Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública (COFAP). O procedimento é obrigatório para que possa ser oficialmente nomeado governador do Banco de Portugal. O parecer não é vinculativo mas é obrigatório.
Desde logo o ex-ministro do PSD e economista-chefe na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), anunciou como chefe de gabinete no Banco de Portugal, Filipa Santos (com quem já trabalhou no Ministério da Economia quando foi ministro). Álvaro Novo, reconduzido por Mário Centeno na reta final do mandato, não será assim chefe de gabinete de Álvaro Santos Pereira.
Numa introdução lida de forma rápida o economista desvenda algumas das linhas de atuação que pretende implementar no Banco de Portugal, nomeadamente diz que quer tornar o banco central numa instituição mais “aberta e transparente”.
“Enquanto Governador irei promover a abertura do banco central à sociedade e assegurar os meios para que possa retribui e cumprir as funções de serviço público que lhe são atribuídas”, revelou.
“Será um Banco de Portugal mais aberto e mais presente nas várias zonas do país, mais transparente, quer externamente quer internamente, e mais ativos na promoção da literacia financeira, no combate à fraude digital e na luta contra o branqueamento de capitais”, disse Álvaro Santos Pereira.
O futuro Governador promete mesmo levar o Banco de Portugal às regiões, para “ouvir as pessoas” e diz que “podemos usar as nossas delegações regionais”. Promete fomentar debates nas regiões de baixa densidade sobre temas de literacia financeira, ou sobre Inteligência Artificial.
Álvaro Santos Pereira pretende também promover reuniões regulares com a tutela (Ministério das Finanças).
“No decurso do meu mandato, a independência face aos supervisionados e face ao poder político será sempre o princípio basilar” a orientar a atuação do Banco de Portugal, defendeu. “Vou levar o princípio da independência até ao limite”, disse ainda o economista que em resposta aos deputados disse que não é nem nunca foi militante de nenhum partido político.
Álvaro Santos Pereira disse no entanto que “não irá perguntar a filiação partidária” dos quadros do banco central mas defende que quem está no Banco de Portugal “não deve estar envolvido em política ativa” e “se alguém decidir que quer trabalhar ativamente num partido, é uma questão que tem de se ver, porque enquanto está a trabalhar no Banco de Portugal existe uma missão pública de trabalhar para o Banco de Portugal”.
Riscos mundiais e alertas para necessidade de regressar à disciplina orçamental
Álvaro Santos Pereira, começou a sua intervenção no Parlamento por lembrar os atuais riscos geopolíticos que impactam nas economias mundiais; lembrou as disrupções do comércio mundial agravadas pelas tarifas, barreiras e guerras comerciais. Lembrou riscos orçamentais elevados com alguma economias muito endividadas, riscos esses agravados pelo acréscimo de despesa com defesa. Depois falou dos riscos de envelhecimento da população e dos riscos relacionados com os investimentos necessários para combater as alterações climáticas e promover a transição energética. Tudo para defender o regresso a uma trajetória de prudência e disciplina fiscal.
O economista elencou também riscos de crises financeiras em alguns países menos desenvolvidos e mesmo nalguns países designadamente emergentes, devido às pesadas dívidas que têm vindo a aumentar nesses países. Há ainda riscos associados às elevadas valorização dos mercados bolsistas e riscos associados aos criptoativos.
“Se se materializarem estes riscos poderão ter um impacto muito grande na economia nacional e no espaço europeu”, disse.
Já a nível nacional, o futuro governador reiterou que “há setores que podem ser afetados por tarifas e um agravamento destas tarifas podem criar dificuldades adicionais aos exportadores”, destacando também que o “endividamento baixou na última década mas permanece alto” – a dívida pública está acima de 95% do PIB – pelo que “é essencial manter a disciplina fiscal nos próximos anos para que a dívida pública continue a descer e para ter margem de manobra em caso de choques inesperados ou se a economia desacelerar”.
“O endividamento das famílias baixou muito nos últimos anos e situa-se atualmente em cerca de 57% do PIB, embora tenha voltado a aumentar recentemente. O endividamento das empresas e setor não financeiro também caiu, mas também permanece elevado”, disse.
Já em relação ao setor financeiro alertou que “a alavancagem também registou melhorias significativas na última década, e o risco para estabilidade financeira vindo do setor financeiro não bancário permanece limitado”.
Aumentar a oferta de casas é prioritário para a estabilidade financeira
Álvaro Santos Pereira promete não dar tréguas à garantia da estabilidade financeira e alerta para riscos para a banca relacionados com a forte subida dos preços das casas, devido ao desfasamento entre oferta e procura. Na última década Portugal foi o país da OCDE onde os preços das casas mais aumentaram em relação ao rendimento disponível.
“Há 25 anos estávamos a construir cerca de 60 mil casas ao ano e neste momento estamos a construir cerca de 15 mil ao ano”, sublinhou. Isto numa altura em que a procura aumentou com a entrada de estrangeiros do país.
“Fomentar a oferta de casas é assim uma prioridade absoluta não só para habitação condigna, mas também para diminuir a pressão do endividamento das famílias e diminuir o risco para a estabilidade financeira”. O futuro Governador promete que Banco de Portugal fará estudos do impacto do imobiliário para sensibilizar para a necessidade do aumento da oferta de casas.
O Banco de Portugal deve dedicar uma “atenção especial” ao imobiliário, pois o setor é importante para a estabilidade financeira.
Reconhece que resolver o problema do acesso à habitação “é uma competência do governo e sobretudo das autarquias”. Mas o que se passa “é que temos construído menos e a procura tem aumentado. Temos de garantir que vai aumentar a oferta, o que passa pelas autarquias e pelos governos”. O que o banco central pode fazer “é registar os dados e estudar o impacto na economia, vamos fazer mais porque acho que é muito importante, tem de ser oferta, oferta, oferta, neste momento”, sublinha.
Santos Pereira disse ainda que os bancos estão bem capitalizados, mas “não há margem para complacência” tendo em conta os riscos que existem – em particular os riscos associados à forte valorização dos preços das casas nos últimos anos.
Álvaro Santos Pereira disse ainda que não é pomba “de certeza” na política monetária, referindo-se aos governadores que favorecem uma política monetária mais flexível, com taxas de juro mais baixas e menos restritiva, para estimular a economia e o emprego, priorizando o crescimento sobre o controle da inflação no curto prazo.
“Uma pomba não sou, de certeza”, disse lembrando que considera o controlo da inflação absolutamente essencial, pois quando descontrolada a inflação “é um autêntico imposto sobre as famílias e as empresa”.
“Deste modo os bancos centrais devem ser pro-ativos para assegurar a estabilidade de preços e garantir que os objetivos de inflação são cumpridos”, disse o futuro Governador.
“É bem possível que as taxas de juro se mantenham por algum tempo na zona euro”, disse ainda Álvaro Santos Pereira.
“O Banco de Portugal deve assegurar a estabilidade financeira através de políticas de supervisão em todas as suas vertentes: prudencial, comportamental e de ação sancionatória. Deve assegurar a estabilidade através de políticas macroprudenciais e da promoção do bom funcionamento dos sistemas de pagamento, bem como dos mecanismos de resolução. Ainda no setor bancário, mas no domínio da supervisão é importante referir que as mudanças estruturais levadas a cabo na última década, reforçaram significativamente a arquitetura institucional do setor financeiro nacional e europeu e aumentaram a sua resiliência em caso de eventuais crises ou choques”, disse Álvaro Santos Pereira.
Sobre a nova sede do Banco de Portugal e a polémica inspeção da IGF relacionada com a escolha da nova sede, “o banco central deve ter só um edifício como sede, em vez de ter os serviços espalhados”, defendeu.
Mas em concreto sobre a localização disse que “vou estudar, não tenho informação, quando chegar vou certamente analisar o dossiê com grande detalhe e, depois, certamente, se o Parlamento entender que eu devo prestar esclarecimentos eu fá-lo-ei“.
Álvaro Santos Pereira disse apenas sobre o tema que a nova sede vai ser financiada com a venda de terrenos do Banco de Portugal.
No que toca à concentração da banca, o futuro Governador diz que “está na média da União Europeia”.
Já “a consolidação bancária a nível europeu é algo que deve ser fomentado”, defendeu.
O economista realçou também o aparecimento de “fintech” que têm feito muito rapidamente “concorrência” aos bancos, e prometeu um Banco de Portugal inovador.
Álvaro Santos Pereira alertou ainda que “alguma dessa inovação tem riscos”, nomeadamente de fraude digital e dos criptoativos.
“Numa época de grandes transformações, inclusivé no setor financeiro, o Banco de Portugal deve ser inovador e pioneiro, apostando nas novas tecnologias e ferramentas digitais, tais como a IA e a digitalização integral de todas as suas tarefas”, defendeu.
Sobre o caso BES e questionado pelos deputados sobre os processos dos lesados, o futuro Governador do Banco de Portugal defendeu a instituição então liderada por Carlos Costa, dizendo que “se houve instituição que trabalhou para conseguir apurar responsabilidades foi o Banco de Portugal e, até agora, só o Banco de Portugal”.
O atual vice-Governador, Luís Máximo dos Santos, conduziu os processos do BES (e outros) com Carlos Costa e depois com Mário Centeno.
A questão de concurso internacional para a escolha do Governador do Banco de Portugal, Santos Pereira não se mostrou contra, mas lembrou que apenas três países têm essa prática, Inglaterra, Irlanda e Nova Zelândia. “Eu estaria perfeitamente à vontade com concursos internacionais”, garantiu.
Sobre a União da Poupança e dos Investimentos, disse que a Europa está a ficar atrás dos Estados Unidos porque faltam mecanismos para financiar o aumento de escala das empresas, e por isso dependem demasiado da banca.
O economista citou os instrumentos de equity e quasi-equity (tipo híbrido de financiamento que se situa entre a dívida e o capital próprio equity), como exemplos onde a Europa perde face aos EUA. O venture capital é importante para apostar no empreendorismo e por isso “é fundamental criar essa União da Poupança e dos Investimentos”, disse.
A dívida comum na Europa só deve ser usada para projetos europeus, defendeu ainda o economista.
“O banco central é essencial para analisar e entender melhor a economia nacional. Nesse sentido leva a cabo importantes estudos económicos e angaria estatísticas essenciais sobre a economia, permitindo melhor análise sobre as opções, os desafios e as necessidades de política públicas”, disse ainda o futuro Governador.
Ainda na senda das funções do Banco de Portugal, Santos Pereira destacou o papel de “zelar pela proteção dos consumidores de serviços financeiros, bem como mitigar o risco de o setor financeiro ser utilizado para branquear capitais ou para financiar negócios ilícitos, ou terrorismo”.
Por fim destacou o papel do Banco de Portugal como promotor da literacia financeira.
(atualizada)
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