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Angola pede ajuda a Portugal para localizar fortunas de ex-governantes

Pedido de cooperação foi feito numa reunião, em Lisboa, entre os procuradores-gerais dos dois países. Na mira da justiça angolana estão militares, políticos e empresários. Alguns deles detentores de imóveis de luxo e investimentos em Portugal.
7 Fevereiro 2020, 10h47

A Procuradoria Geral da República (PGR) de Angola solicitou a Portugal ajuda na localização de bens de personalidades angolanas que tenham no território nacional imóveis, investimentos mobiliários e contas bancárias. Na mira da justiça de ambos os países estão figuras militares, políticas e também de empresários de referência.

Fonte judicial revelou ao JE que o pedido de cooperação foi realizado no passado dia 23 de janeiro na reunião entre Hélder Pitta Grós e a sua homóloga, Lucília Gago, num encontro que contou também com a presença da diretora do Serviço de Recuperação de Ativos (SRA) da PGR de Angola, Eduarda Rodrigues, que foi munida com dossiers para esta reunião referentes a processos-crime contra cidadãos angolanos que desviaram fundos públicos ao Estado angolano. Nesta lista, segundo a mesma fonte, consta o nome do general Higino Carneiro, ex-ministro das Obras Públicas, que tem investimentos na hotelaria e restauração em Lisboa.

Junta-se ainda Manuel Rabelais, ex-ministro da Comunicação Social de José Eduardo dos Santos, cujo nome já surgiu numa investigação da CMVM por suspeitas de branqueamento de capitais por parte do Banco Invest e um fundo imobiliário chamado Fundbox que terá vendido apartamentos a altas figuras do regime angolano, as designadas “Pessoas Politicamente Expostas”. Estas transações não terão sido comunicadas ao regulador dos mercados. Em causa está a compra de imóveis no Estoril Sol Residence, o bloco de apartamentos de luxo que seduziu sobretudo angolanos e figuras ligadas ao futebol. À PGR foi ainda pedida ajuda para localizar bens de Joaquim Sebastião, antigo diretor do Instituto Nacional de Estradas de Angola (INEA) que tem declarados 30 imóveis, em Angola, Portugal e Brasil.

Questionado sobre este pedido, fonte oficial da PGR de Angola avançou ao JE que um dos assuntos tratados na reunião com a PGR portuguesa foi o da recuperação de bens localizados em Portugal. “Trata-se de um pedido de ajuda para localizar bens que saíram ilicitamente de Angola, quer de pessoas anónimas e empresários quer de ex-governantes”, disse, escusando a particularizar os casos tratados no encontro com Lucília Gago.

O JE questionou o gabinete de Lucília Gago sobre este pedido, tendo fonte oficial afirmado que “de momento, nada há a acrescentar a informação já prestada”. Na semana passada, a mesma fonte confirmou ao JE vários “pedidos de cooperação judiciária internacional em matéria penal” relacionados com a investigação Luanda Leaks por parte do Ministério Público angolano. A PGR adiantou que “neste, como em todos os outros casos, dar-se-á seguimento aos pedidos de cooperação judiciária internacional”.

Na reunião de 23 de janeiro, Pitta Grós adiantou que vinha “pedir ajuda de muita coisa”. O JE sabe que além do pedido de cooperação para a PGR ajudar a localizar bens de angolanos em Portugal, Pitta Grós solicitou ainda à homóloga portuguesa cooperação judicial no inquérito-crime que investiga operações financeiras realizadas por Isabel dos Santos, como transferências da Sonangol para o Dubai, por suspeitas de crimes de branqueamento de capitais, falsificação de documentos, abuso de poder e tráfico de influências. E pediu apoio a Lucília Gago para que Isabel dos Santos e seus colaboradores portugueses sejam notificados na condição de arguidos. Se não comparecerem voluntariamente nos tribunais angolanos serão emitidos mandados de captura.

Não foi possível confirmar se Isabel dos Santos é uma das personalidades referidas na lista entregue por Pitta Grós a Lucília Gago.

Capitais não foram repatriados
Fonte oficial da PGR de Angola realça que a cooperação judicial foi pedida a outros países, além de Portugal, para ajudar a localizar bens, imóveis e móveis de cidadãos angolanos que não cumpriram a lei do repatriamento de capitais. Angola não conseguiu recuperar, de forma voluntária, qualquer capital financeiro, mas, coercivamente já tem nos cofres perto de 3.480 milhões de euros em dinheiro e bens conseguidos desde dezembro de 2018.

General Higino Carneiro acusado de gestão danosa
O antigo governador provincial de Luanda Higino Carneiro foi constituído arguido em 2019, num processo de alegada gestão danosa de bens públicos durante o tempo em que o general das Forças Armadas Angolanas e deputado à Assembleia Nacional pelo MPLA, partido no poder, esteve no exercício de governação da província de Luanda entre 2016 e 2017.

Em fevereiro do ano passado, a PGR de Angola confirmou um inquérito-crime decorrente de indícios da prática dos crimes de peculato, violação de normas de execução do plano e orçamento, abuso de poder, associação criminosa, corrupção passiva e branqueamento de capitais. Além disso, em agosto passado, a Inspeção Geral da Administração do Estado (IGAE) revelou que, em 2007, o Ministério das Obras Públicas, então liderado por Higino Carneiro, não justificou despesas de mais de 80 milhões de euros. Pela gravidade dessas infrações, o MinistérioPúblico angolano aplicou como medida de coação a interdição de saída do país.

Ex-ministro na mira da justiça
Impedido de sair do país está igualmente outro parlamentar do MPLA: Manuel Rabelais, que também foi constituído arguido por haver indícios de factos que constituem “atos de gestão danosa de bens públicos”, praticados enquanto diretor do Gabinete de Revitalização da Comunicação Institucional e Marketing (GRECIMA)”, entre 2012 e 2017.

A PGR de Angola revelou, no ano passado, que o ex-ministro da Comunicação Social é acusado dos crimes de peculato, violação de normas orçamentais, abuso de poder, associação criminosa, corrupção passiva e branqueamento de capitais. Rabelais terá admitido a realização de transferências para empresas e a aquisição de divisas, alegando que o fez no interesse do Estado angolano e sob orientação do antigo Presidente da República, José Eduardo dos Santos.

Segundo a acusação da PGR, movimentos bancários feitos na conta do ex-diretor do GRECIMA, incluindo a compra e transferência de divisas, bem como levantamentos, terão rondado mais de 47 milhões de euros. Para a compra de divisas, Rabelais terá usado o argumento de aquisição de equipamentos para a modernização dos órgãos de comunicação social do Estado.

Ex-diretor de Instituto com fortuna de 900 milhões
Na mira da justiça angolana está também Joaquim Sebastião, antigo diretor do INEA, entre 2003 e 2010. Segundo a imprensa angolana, a sua fortuna é avaliada em mais de 900 milhões de euros (mil milhões de dólares). Chegou a estar em prisão preventiva e é suspeito dos crimes de peculato, subtração de papéis e documentos por empregado público e associação de malfeitores. O caso contra Joaquim Sebastião assenta num relatório da IGAE, levado a cabo em 2009, com referência a factos ocorridos entre 2007 e 2009 e que apontam para o eventual desvio de um bilião de kwanzas (nove milhões de euros) dos cofres do Estado, a sobrefaturação habitual de trabalhos, contratos duplicados, entre outros outros.

Vários bens do ex-diretor do INEA foram apreendidos em Angola: 13 imóveis apreendidos, bem como seis veículos e um centro de estágio de futebol, no bairro do Sequele, em Luanda.

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