Há cerca de um mês, por altura das festividades do Natal, ressaltou-me a notícia de um antigo actor (José Lopes) que durante décadas vingou destacadamente nas artes e nos palcos portugueses, que morreu na rua, como sem-abrigo. Tendo andado ligada às artes de palco desde 1986 e tendo ponderado seriamente a opção da carreira artística como modo de vida e sustento (fui desviada pelo meu deslumbramento com os animais para a veterinária, e pela racionalidade orientada por outrém de que uma carreria artística significaria incerteza financeira, e instabilidade e precariedade laboral…). E a verdade é que são recorrentes as notícias de artistas que um dia conheceram a glória dos palcos e que por razões que considero inaceitáveis e incompreensíveis passam a familiarizar-se com a dor do abandono, do não reconhecimento de carreiras tantas vezes longas, da não solicitação para novos trabalhos… E se é verdade que neste sector também se impõe a tirania do mercado da “eterna juventude e beleza”, não o é menos que o Estado tem negligenciado e mesmo desprezado os profissionais da cultura e das artes no nosso país. E na ilha, esta realidade não destoa: para os nossos governantes a cultura continua a ser um luxo e não um pilar do desenvolvimento social, reflector das sociedades democráticas. Os apoios às artes e cultura continuam a ser diminutos (excepção feita para os que se direcionam para o turismo – sim, na ilha a cultura emaranha-se com o turismo…) e esta falta de apoios aos órgãos e artistas de criação e produção cultural, cria-lhes instabilidade nos seus projectos com implicações na redução e qualidade cultural, engrossando o desemprego e a instabilidade e precariedade laboral, resultando no empobrecimento de dezenas destes profissionais.
O caso do actor José Lopes que comoveu o país, e particularmente o sector artístico, não foi alheio a esta falta de apoios estatais. Os actores no entremeio dos seus trabalhos não têm quaisquer seguros ou subsídios de desemprego que os protejam do risco da pobreza, ao ponto de incorrerem em situações desesperantes que os atiram para uma tenda no ermo da rua.
Tanto se tem propalado o apoio aos sem-abrigo – mais por embandeiramento político do que por vontade material de resolução de centenas de situações, cada uma com a sua singularidade; cada uma com uma estória; cada uma com uma solução. Porque estas pessoas ao contrário do que desumamente se apregoa não “estão na rua porque querem”, mas porque não lhes são apresentadas alternativas condignas! Alternativas sociais, de saúde, de empregabilidade, de habitação, de condignidade vivencial! Adaptadas às necessidades individuais, de cada um.
É que esta, não é uma matéria de “ mera” caridade, mas de resolução e de escolha políticas no que respeita à área social, o que é corroborado pela Constituição da República Portuguesa que obriga as entidades governamentais responsáveis pela área social, da saúde, e do direito ao trabalho e à habitação, a desenvolver todas as acções para a prevenção e combate das causas e factores de risco que conduzem a estas situações, de modo a que todos os cidadãos tenham a mesma dignidade social!
Que dor, esta, a de saber de gente igual a nós assim sucumbe pelos recantos das ruas, da vida… Sim, porque nenhum de nós está livre de resvalar para esta condição, basta que não paguemos, a exemplo, a renda de casa durante cinco meses e que não tenhamos qualquer suporte familiar ou social e podemos, como os Josés Lopes deste mundo, desfalecer dos aplausos e da glória da vida para o abismo da miséria… É que “aos pobres ninguém os vê” como escreveu Aquilino Ribeiro.
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