Tempos houve em que o Natal não era iluminado como o é agora. Tempos de guerra, distante, é certo, mas que nos assaltava com telegramas, esquifes, ausências e a permanente tristeza das mães. Tempos de pobreza, pobreza que vivia no nosso quotidiano e invadia as nossas vidas. Tempos de escassez que obrigaram os mais desesperados a ousar terras desconhecidas.

Tempos sem cor, tempos em que tudo era pardo, cinzento e remediado.

Eu lembro-me!

E porque me lembro, lembro todos aqueles aos quais a guerra, a inflação, as taxas de juro, o emprego mal remunerado, vai transformar o Natal numa época de angústia, dúvida, tristeza, desespero.

Não, não estou a exagerar.

Não podemos conviver tranquilamente com a ideia de que muitos dos nossos concidadãos se passeiam em ruas feericamente iluminadas, mas não têm recursos para aquecer as suas modestas casas.

É moralmente insuportável a despesa pública que se antecipa por ocasião e por causa das celebrações natalícias vis a vis as consequências para os mais pobres de uma inflação de 10% e uma inflação nos produtos alimentares acima de 20%.

Muitos portugueses verão das suas janelas os sinais de que é Natal. Mas, fechadas as portadas, têm uma mesa vazia e os filhos e os netos incapazes de perceber o poeta, porque a “bola” não está lá

Que sempre que um homem sonha

 o mundo pula e avança

 como bola colorida

 entre as mãos de uma criança.

A Europa está em guerra, o mundo está em guerra, os portugueses estão mais pobres.

Não é legítimo despender o dinheiro público, que não temos, em despesa inútil e que se esgota no exacto momento da sua realização.

Parem, enquanto é tempo!

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.