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Após lucros, banca receia “faca” dos juros de Mario Draghi

Taxas de juro em mínimos permitiram aos bancos em Portugal ganhar com venda de dívida pública, mas novo corte poderá estrangular a rentabilidade.
2 Agosto 2019, 12h16

“Os bancos vivem das taxas de juro”, disse Pedro Castro e Almeida, CEO do Santander Totta, esta quarta-feira na apresentação de resultados do primeiro semestre.

A susceptibilidade dos bancos aos voláteis ventos dos juros, para o bem ou para o mal, não é nova, mas esta semana saltou à vista em várias salas de conferência das instituições financeiras que operam em Portugal.

O primeiro semestre de 2019 foi, de forma geral, positivo para os principais bancos. O Santander aumentou os lucros em perto de 5%, o BCP em quase 13% e a Caixa Geral de Depósitos (CGD) brilhou com um disparo de 46% no resultado. O fator positivo transversal aos três bancos foi o contributo das mais-valias obtidas com a venda de títulos da dívida pública (ver quadro).

O ambiente de taxas de juro em mínimos históricos na zona euro incentiva a venda destes ativos – as yields descem e os preços dos ativos sobem. As mais-valias impulsionam assim os resultados de trading.

Manuel Preto, CFO do Santander, referiu que “nesta fase, as carteiras de dívida pública têm um impacto muito grande na estabilização da margem financeira”.

Explicou que essas carteiras de dívida pública permitem “ter taxa fixa, possibilitando [compensar] a redução das taxas variáveis que existem por efeito das quedas das taxas Euribor”.

A excepção à época positiva dos resultados foi o BPI, que registou uma quebra de 63% dos lucros, devido principalmente aos ganhos extraordinários com as vendas de participações realizadas há um ano. No entanto, mesmo sem este fator não-recorrente teria tido uma descida de 17% no resultado. O banco detido pelo CaixaBank foi o único que não vendeu títulos de dívida soberana.

Draghi com a faca na mão
As taxas de juro são, no entanto, como facas de dois gumes. Se os cortes até agora permitiram aos bancos tomar lucros, a provável descida em setembro apresenta um risco para a rentabilidade nos próximos trimestres.

Sem exceções, os presidentes executivos dos bancos que apresentaram resultados mostraram-se descontentes com os efeitos dos níveis atuais das taxas de juro, deixando alertas para o que aí vem.

Paulo Macedo, CEO da CGD, estimou que “a rentabilidade dos bancos europeus poderá cair do intervalo de 7% a 7,5% para 5,5% a 6%”, ou seja, em até dois pontos percentuais.

A tendência será para “piorar”, alertou Pedro Castro e Almeida, do Santander, frisando que neste momento o custo de capital é superior (10%) à rentabilidade da banca europeia (entre 7% e 8%).

“Cada [redução de] dez pontos base na Euribor tem um impacto futuro de 25 milhões a 30 milhões de euros para um banco com a nossa dimensão”, reforçou o CEO.

Filipe Garcia, economista da IMF Investimentos, vincou três formas como os níveis atuais das taxas de juro pressionam as margens da banca.

“Oneram as reservas de cash, implicam margens mais apertadas na concessão de crédito e em muitos casos têm de repassar ao cliente, como no caso do crédito à habitação, com a taxa recebida a ficar abaixo do custo de funding”.

Os CEO dos bancos focaram-se esta semana principalmente nessa pressão, atual e futura, das taxas´baixas. No entanto, os analistas consultados pelo Jornal Económico recordam que a política monetária acomodatícia seguida pelo BCE nos últimos anos ajudou a economia, e, por consequência, o setor da banca, em vários aspetos.

“A economia portuguesa tem atravessado um bom período, que se faz sentir na redução do prémio de risco do país, no maior dinamismo do mercado imobiliário, nos menores níveis de incumprimentos e melhores níveis de recuperação dos valores dos créditos colaterizados”, explicou Mário Carvalho Fernandes, diretor geral de investimentos do Banco Carregosa.

Filipe Garcia, da IMF também realçou que a política monetária do BCE “ajudou a resolver muitos problemas no imobiliário e reduziu os incumprimentos nas carteiras de crédito em geral”.

A política acomodatícia do BCE permitiu limpar os balanços dos créditos duvidosos. No último semestre, o BCP limpou 1,7 mil milhões de malparado do balanço, estando agora exposto a cinco mil milhões de euros. O BPI passou de 1.055 milhões para 991 milhões, enquanto a Caixa prolongou a tendência de redução que se verifica desde dezembro de 2016, estando agora exposta a 1,6 mil milhões de euros de créditos problemáticos. E o Santander reduziu os NPE em cerca de 300 milhões de euros, dos quais 200 milhões foram vendas de crédito, tendo agora apenas operações “pontuais” em perspectiva, salientou Pedro Castro e Almeida.

Consolidação pode ser solução
A banca europeia deverá regressar das férias com os olhos postos na reunião do BCE em setembro e num cenário de taxas de ainda mais baixa.

Mas os líderes do setor em Portugal afirmam estarem prontos para responder ao desafio.

“Temos de garantir que temos capacidade para comportar esta perspetiva de alteração das taxas de juro e só conseguimos compensar por duas vias”, revelou Miguel Maya, CEO do BCP. Salientou que é necessário “compensar com volume de crédito com o mesmo nível de risco (atual) e indo mais além do que estava previsto” e “deixar de fazer investimentos”.

Paulo Macedo, da CGD, explicou que a “aposta” do banco do Estado passa por aumentar as comissões através da subida dos volumes. Isto é, “vendermos mais seguros, subirem pelos clientes que não têm rentabilidade e que têm apetência para o risco” para poderem investir. “É isto que temos de fazer sem abdicar de procurar um aumento dos proveitos, através das comissões, nas áreas dos seguros, gestão de ativos e pagamentos, e através do crédito”, concluiu.

Pedro Castro e Almeida, do Santander, frisou a importância de se olhar para “os próximos três anos”, ter “uma boa base de capital, um rácio de NPE baixo, um banco eficiente e partir de uma rentabilidade na casa dos 13%”.

Com os bancos pressionados na rentabilidade, a consolidação no setor na Europa não é um cenário a descartar. “As autoridades europeias já deram a entender que vêem com bons olhos as operações de concentração, desde que entre instituições da União Europeia”, disse Filipe Garcia. “Tendo em conta a intensificação da digitalização e as alterações nos serviços bancários, a necessidade de racionalizar custos e ganhar escala deverá levar a mais operações de concentração”, apontou. Também Mário Carvalho Fernandes revelou que “poderá ser uma reação natural para enfrentar os desafios que se têm colocado ao setor bancário, tanto pela política monetária, como pelas exigências regulatórias”.

 

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