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Apple condenada a pagar 13 mil milhões: “É um marco da fiscalidade na UE”, diz advogado

O advogado José Calejo Guerra, de Direito Fiscal, considera que este desfecho foi “de alguma forma surpreendente”, significa “uma vitória estrondosa” da Comissão Europeia e pode levantar questões para o caso de Portugal, que tem a Zona Franca da Madeira e regime de RNH.
12 Setembro 2024, 07h30

Ainda a Apple estava em modo Glowtime, com a apresentação do iPhone 16, quando sofreu mais um embate com as regras da União Europeia (UE), que não têm dado tréguas à tecnológica norte-americana. A empresa de Tim Cook foi condenada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia a devolver os 13 mil milhões de euros que não foram pagos em impostos à Irlanda.

O advogado José Calejo Guerra, que faz assessoria a clientes no cumprimento de obrigações fiscais, considera que este desfecho foi “de alguma forma surpreendente”, significa “um marco na história da fiscalidade na UE” e “uma vitória estrondosa” da Comissão Europeia. Em declarações ao Jornal Económico (JE), explica que a delonga nesta batalha jurídica se justifica pela relevância do caso e alerta para as questões que se podem levantar, a partir daqui, para Portugal.

“No contexto português a decisão levanta algumas questões, na medida em que Portugal também tem algumas medidas escrutinadas no âmbito das regras de auxílios de Estado, como o regime da Zona Franca da Madeira ou o regime dos Residentes Não Habituais [RNH]”, adverte o sócio da CCSL.

A Apple beneficiava de um regime fiscal diferente na Irlanda, onde tem a sede europeia. O problema é que o executivo comunitário considerava que esses benefícios específicos violavam as regras de auxílios estatais, “que previnem a aplicação, nomeadamente, de regimes fiscais seletivos que tenham por efeito desequilibrar a concorrência no espaço da União e de concorrência”, detalha José Calejo Guerra.

“Tendo em conta o funcionamento das regras relativas a auxílios de estado na UE, embora a Irlanda tenha defendido no processo o direito da Apple a não pagar o montante em causa (o que se percebe no contexto do posicionamento do país e da sua política de atração de investimento), a Irlanda terá agora que garantir a cobrança da receita fiscal em causa, que é receita fiscal própria da Irlanda”, esclarece o jurista.

O advogado diz ao JE que as verdadeiras implicações desta decisão só agora vão começar a ser discutidas, mas levantará um longo debate tanto sobre o acerto da decisão como os efeitos da mesma em casos semelhantes quer na Irlanda quer noutros países, tendo em conta que, cada vez mais, “concorrem abertamente, por via de mecanismos fiscais, pela atração de investimento estrangeiro”.

“Sem prejuízo de ser garantidamente um landmark no contexto da fiscalidade internacional, os efeitos desta decisão deverão estar de alguma forma mitigados no contexto internacional (pelo menos no que às grandes corporações diz respeito) pelas “recentes” iniciativas da OCDE/G20 e que, entre outras, vêm estabelecer uma taxa efetiva mínima de 15% para lucros de multinacionais, assim “esvaziando” o efeito de regimes fiscais privilegiados que pudessem ser aplicáveis”, assinala ainda José Calejo Guerra.

Na terça-feira, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) decidiu contra a dona do iPhone num processo judicial que envolve o Estado da Irlanda, concluindo que houve ajudas ilegais e que o país tem de recuperar cerca os 13 mil milhões de euros perdidos em receitas fiscais.

“Loucos anos” 1991-2007

A história começa entre 1991 e 2007, quando a Irlanda emite duas decisões fiscais a favor de duas empresas do grupo Apple: a Apple Sales International (ASI) e a Apple Operations Europe (AOE). Em 2014, a Comissão Europeia abriu uma investigação sobre os pagamentos de impostos da Apple na Irlanda, onde está localizada a sede da fabricante do iPhone na UE, e conclui, dois anos depois, que essa benesse – isenções de impostos dos lucros de licenças de propriedade intelectual da ASI e da AOE – eram ilegais e incompatíveis com o mercado interno, do qual o grupo de Tim Cook beneficiou.

A situação acabou por levar a um processo interposto pela Irlanda, ASI e AOE e o Tribunal Geral da UE (TGUE) anulou a decisão de Bruxelas. Porém, na sequência de um recurso da Comissão Europeia, o TJUE anulou a sentença do Tribunal Geral e deu razão à instituição liderada por Ursula von der Leyen.

“O Tribunal Geral errou quando decidiu que a Comissão não tinha provado suficientemente que as licenças de propriedade intelectual detidas pela ASI e AOE e lucros relacionados, gerados pelas vendas de produtos da Apple fora dos Estados Unidos, deveriam ter sido alocados, para efeitos fiscais, às sucursais irlandesas”, lê-se na sentença.

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