Desde o dia 16 de julho de 2019, está em vigor a Diretiva (UE) 2019/1023 do Parlamento Europeu e do Conselho, sobre, designadamente, os regimes de reestruturação preventiva e medidas destinadas a aumentar a eficiência dos processos relativos à reestruturação e à insolvência.

O principal objetivo desta Diretiva é o de harmonizar as leis e os processos nos Estados integrados na União Europeia (UE), especialmente no que respeita a instrumentos de reestruturação preventiva de empresas. Em bom rigor, depois de anos de discussão no seio da UE, este é o primeiro grande passo no sentido de tentar harmonizar, na medida do possível, a legislação relativa a insolvência e reestruturação de empresas no vários Estados-Membros.

Analisado o texto da Diretiva percebe-se que o intuito da União Europeia é positivo, pois, por via da sua transposição para a legislação interna dos Estados-membros, pretende-se promover a reestruturação de empresas suscetíveis de recuperação, evitando-se a destruição de riqueza e postos de trabalho, e, ainda, incentivar o desenvolvimento de uma cultura de empreendedorismo.

As normas da Diretiva não produzem efeitos imediatos no ordenamento jurídico de cada Estado-membro, sendo, por isso, necessário que cada um, até ao dia 17 de julho de 2021, a transponha para a sua própria legislação. Isto porque uma diretiva é um ato legislativo que fixa um objetivo geral que todos os países da União devem alcançar. Contudo, cabe a cada país elaborar a sua própria legislação para dar cumprimento a esse objetivo.

Lido e relido o texto da Diretiva facilmente se conclui que uma parte muito importante – para não dizer mesmo a maioria – dos objetivos legislativos aí fixados são já uma realidade na legislação portuguesa. Quero, com isto, dizer que a legislação portuguesa relativa à reestruturação de empresas é já hoje moderna, estando Portugal bem posicionado, nesta matéria, entre os Estados-membros.

Mas se é assim, assoma uma questão: por que razão são, então, os processos de insolvência tão demorados em Portugal e porque, na maioria dos casos, mesmo quando se tenta recuperar o insolvente, é tão difícil extrair valor deles?

E porque acabam por cair em insolvência tantas das empresas que são reestruturadas através do Processo Especial de Revitalização ou do Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas? Se a nossa legislação é moderna, quando comparada com a maioria dos Estados-membros, o que nos está a faltar para termos “resultados” melhores?

Não tenho a presunção de julgar ter a resposta para tão complexa questão. Mas de uma coisa creio estar certo: falta-nos previsibilidade e, quiçá, algum arrojo. E, penso, estes dois aspetos não são irrelevantes.

A falta de previsibilidade a que me refiro tem que ver, por exemplo, com a dificuldade que se tem em antecipar quanto tempo levará até um determinado processo de insolvência estar concluído ou quando será distribuído, pelos credores, o produto da liquidação da empresa insolvente. Para um investidor “tempo é dinheiro” e o “tempo para o dinheiro” costuma ser fulcral na decisão de investir.

Já quanto ao arrojo ou, melhor, a falta dele, refiro-me, por exemplo, a assumirmos que não são apenas os credores privados que devem suportar as perdas associadas à reestruturação de uma empresa: se o Estado quer promover a recuperação de empresas viáveis deve contribuir, de forma mais substancial, para aquela recuperação.

Outro bom exemplo da nossa falta de arrojo está na proteção, que deve ser reforçada pelo legislador português, de quem invista na empresa “à boca da insolvência” e de quem financie uma empresa, no contexto do seu processo de reestruturação preventiva.

Concluindo, como parece suceder com outros setores da sociedade portuguesa, também em matéria de legislação relativa à insolvência e recuperação de empresas não estamos mal, quando comparados com outros Estados-membros. Mas “não estarmos mal” não deve ser razão de orgulho, pelo que espero que o Estado português aproveite esta oportunidade que pode ser a transposição da Diretiva para afinar, com arrojo, a nossa legislação insolvencial e da reestruturação de empresas.

E , já agora, munir os atores envolvidos – tribunais, administradores judiciais e advogados – dos meios necessários para melhorar os níveis de eficiência, assegurando assim o que todos queremos: previsibilidade que permita gerar confiança, no seio dos investidores, com a consequente criação de riqueza.