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Aquacultura: dos benefícios aos riscos ao protesto da Ponta do Sol

A temperatura da água e a existência de pesquisa conferem à Madeira vantagem competitiva na prática da piscicultura, mas a recente polémica na Ponta de Sol lança dúvidas sobre o impacto desta atividade. Hélder Spínola, ambientalista, alerta para riscos como a propagação de doenças e a conservação das espécies autóctones.
23 Agosto 2018, 14h42

É um setor em franca expansão. Até 2020, a Madeira quer atingir as 5 mil de toneladas de produção em aquacultura. Apontada como uma alternativa sustentável à importação de pescado, esta atividade é também tida como uma forma de reduzir a pressão nas populações de peixe selvagem, mas nem tudo são benefícios.

Hélder Spínola, ambientalista e investigador da Universidade da Madeira, dá conta de alguns dos aspetos menos positivos da produção de peixe em jaulas marinhas. Entre eles, a possibilidade de propagação de doenças e de desequilíbrio do ecossistema envolvente.

A aquacultura tem crescido consideravelmente nos últimos anos na Região cujo objetivo passa por se tornar, segundo o presidente do Governo, Miguel Albuquerque, num “grande centro de produção em offshore ao nível europeu”. É uma meta comum a toda a Europa – reduzir a importação de pescado – mas a Madeira apresenta duas vantagens competitivas comparativamente a outras regiões: a temperatura das águas e a existência de pesquisa, a cargo do Centro de Maricultura da Calheta.

As oportunidades oferecidas pelo mar regional não passam desapercebidas aos olhos dos investidores e a aquacultura tem-se relevado uma atividade promissora, até então bem aceite pelos residentes. O caso mudou de figura este mês, depois da Câmara Municipal da Ponta do Sol, liderada pela socialista Célia Pessegueiro, se ter declarado surpreendida com um projeto para instalação da piscicultura cuja licença já tinha caducado e cujo interesse para o concelho é nulo.

A presidente da autarquia pontassolense conta com o apoio de centenas de populares que têm promovido algumas ações de protesto e que dinamizaram inclusive um grupo intitulado ‘Vigília Do NOSSO MAR’ nas redes sociais. Em causa está o impacto visual das jaulas sobre a paisagem do concelho que não pode abdicar, lembra a autarca, das receitas turísticas.

“A nossa economia depende em grande medida do mar e não pode ser posta em causa a estratégia de desenvolvimento do concelho”, afirma Célia Pessegueiro.

O direito ao usufruto do mar e da paisagem local é uma das grandes reivindicações dos pontassolenses. A Câmara local alega que, uma vez que a licença já caducou, o promotor “ao não intervir no tempo determinado na licença de exploração (seis meses) perdeu qualquer direito em intervir naquela área”.

Célia Pessegueiro esclarece ainda que “as distâncias onde foram colocadas as boias de sinalização são manifestamente inferiores a 1000 metros, o que corresponde à Carta Náutica que consta do processo”, e contesta o argumento da criação de postos de trabalho.

Num debate recente promovido pela estação de televisão regional, a socialista criticou o anúncio do secretário regional da Agricultura e Pescas, Humberto Vasconcelos, sobre a criação de 50 empregos com as novas jaulas. “Não são sequer uma dezena de postos de trabalho quanto mais 50”, declarou.

Quais são os riscos e desvantagens da Aquacultura?

A produção em mar aberto e o facto das unidades regionais serem relativamente pequenas reduz o impacto da piscicultura, mas não aniquila por completo os seus efeitos. Hélder Spínola, ambientalista e investigador, ex-líder nacional da associação Quercus, lembra também que a deterioração da qualidade cénica e paisagística é um impacto ambiental, um direito da população e não deve ser minimizado.

Por outro lado, a produção de peixe em cativeiro implica a utilização de rações que são dispersas no mar e podem causar desequilíbrios no ecossistema. Há também o risco de propagação de doenças que põem em risco as espécies autóctones e a utilização de antibióticos é um factor de poluição.

Hélder Spínola aponta também para as consequências da presença dos peixes de aquacultura nas espécies autóctones. “A presença destas espécies de aquacultura, como é o caso da dourada, no mar regional tem sido relatada pelos pescadores, provavelmente são libertadas durante intempéries, mas podem condicionar as nossas espécies autóctones”, explica.

O ambientalista considera que a piscicultura não é em si uma forma de reduzir a pressão sobre as espécies selvagens. “Para produzir 1 kg de peixe em jaula é necessário 3 ou 4 kg de peixe obtidos no mar, embora parte dele não tenha interesse comercial”, sublinha.

Por todas estas razões, o ex-dirigente da Quercus considera ser imperioso estudar o impacto desta atividade nos mares regionais e definir muito bem “o caminho a seguir, as quantidades e as zonas de produção”. Embora o Centro de Maricultura da Calheta tenha tornado público a realização de estudos, nomeadamente na Baía d´Abra, no Caniçal, Spínola entende que deveria haver uma maior e melhor divulgação dos mesmos, até para esclarecimento da população.

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