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Ariel King: “As empresas que se focam em ter mentores vão ter sucesso com jovens”

Em entrevista ao Jornal Económico, Ariel King, gestora e advisory da rede de consultores Bridgewhat, diz que a cultura empresarial deve ter em conta o individuo, mas não pode estar constantemente a adaptar-se. E defende a mentoria para apoiar a integração e reter talento.
30 Janeiro 2025, 07h00

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Fundadora e CEO da consultora internacional Tato King Solutions, Ariel King especializou-se em liderança. Em entrevista ao Jornal Económico, considera que os jovens são, atualmente, empreendedores naturais, que devem preparar-se para falar no percurso de procura de sucesso e que devem reforçar a sua posição recorrendo à mentoria. Este é, aliás, o mesmo conselho de que conferencista e também advisor na Bridgewhat deixa às empresas: apostem na mentoria.

 

Especializou-se em liderança. Quais são os principais desafios que vê no mundo atual para os gestores neste mundo que, como diz, está ultraconetado?

Quando pensamos em liderança, pensamos que é sobre dizer às pessoas o que fazer, dizer às pessoas como o fazer isso, e, basicamente, microgeri-las.

Eu acredito que a liderança é verdadeiramente sobre entender o que é a etos [conjunto dos costumes e práticas característicos] do grupo, o que os junta, como trabalham juntos, como trabalham em equipa quando ninguém está a ver, como trabalham quando é hora de concretizar. Também como trabalham individualmente com cada um dos outros elementos do grupo. Então, para mim, liderança é tentar descobrir quem são as pessoas com quem se trabalha e como você pode ser parte dessa equipa, dessa forma de fazer as coisas em conjunto. Por vezes, é difícil, porque, como líder, as pessoas vão olhar para si para lhes dar a resposta, mas, na verdade, o que você realmente quer fazer é ajudar a que elas encontrem as soluções.

As novas tecnologias desafiam a forma como formamos e lideramos equipas? O que podem acrescentar e quais são os desafios que trazem?

Quando falamos de tecnologia que nos liga – por exemplo, você e eu estamos a ter esta conversa e o público vai ouvir – isto é uma época muito positiva, onde todos estamos conectados, de uma forma ou de outra. A ideia de que somos entidades isoladas na nossa empresa, ou na nossa área de especialidade ou, mesmo, no nosso país não é o que está a acontecer. Hoje, estamos tão interconectados, de alguma forma. É extremamente positivo, mas ao mesmo tempo também é muito desafiante, porque muitos de nós funcionamos dentro das nossas próprias culturas, das nossas próprias línguas, e, mais importante, dentro das formas como fazemos as coisas. Então, podemos esta interconetividade?  Absolutamente. É uma ferramenta de aprendizagem, nós aprendemos com os outros. Portanto, o facto de estarmos interconetados através de todos os tipos de redes é excelente.

Agora, estamos a olhar para a inteligência artificial (AI) e a pensar se a podemos usar de forma positiva. Eu acredito que podemos, desde que estabeleçamos objetivos para o que a queremos usar e para o que queremos retirar dela. Acho que apenas usar a IA e ver o que acontece não faz sentido.

Temos de decidir o que queremos fazer.

Exatamente. Temos de decidir para o que a queremos usar. Depois, ter a certeza de que recebemos exatamente o que pedimos.

Mencionou diferentes culturas. Trabalhou em cinco continentes. Os desafios com que os gestores se deparam são idênticos, independentemente de onde atuam?

Eu acho que, pelo que vi, tendo trabalhado na Ásia, na Europa e em África por muitos anos, surpreende-me, mas eu acho que os desafios são realmente sobre as mesmas questões, porque, apesar de tudo, os gestores trabalham com pessoas e as pessoas são as mesmas em todo o mundo. Então, alguns dos desafios são os mesmos. Claro que alguns fatores externos, como o governo, as regiões, etc., são diferentes, mas quando falamos de pessoas, são basicamente os mesmos [desafios]. A maioria das pessoas quer ser considerada, respeitada, valorizada, querem poder usar os seus talentos. É muito importante para os gestores perceber quais as pessoas que são talentosas e ajudá-las a focarem-se nisso, para suprirem as necessidades da equipa.

E relativamente às equipas? Hoje, podemos trabalhar de todo o lado. Isso requer uma adaptação, tanto das organizações, para acomodar a cultura de diferentes pessoas, como das próprias pessoas, para aprenderem a relacionar-se com organizações mais diversas?

Muitas empresas estão a tentar, nesta altura, responder a estas perguntas, sobre se devem ter pessoas a trabalhar a partir de casa, se é realmente importante terem edifícios e fazê-las vir ao escritório, e como se pode transmitir a cultura e ter pessoas a trabalharem na organização que percebam a cultura.

Eu acredito que, sendo possível, a cultura empresarial deve vir em primeiro lugar. A verdade é que muitos de nós tentamos descobrir como trabalhamos com pessoas jovens – quando falo em jovens, digo até aos 30 – e o que eles querem. E muitas empresas e organizações pensam que querem brindes, almoços gratuitos e bilhetes, mas nada disto parece retê-los. Ao invés de confiar no que mudam do que as pessoas pensam que eles querem, que está sempre a mudar, devíamos focar-nos no básico, que é compreender a cultura empresarial, tendo em conta o indivíduo, mas sabendo que ele trabalha para uma empresa. Não há maneira de uma empresa estar constantemente a mudar em função do indivíduo, ainda que tenha em mente que os indivíduos são importantes; eles basicamente são a empresa.

Mas, definitivamente, optaria pela cultura empresarial, em vez da mudança em função do indivíduo, no geral.

As empresas estão a debater-se para encontrar uma forma de apresentar a sua cultura e o seu propósito aos jovens trabalhadores.

Sim, acredito que sim. No geral, estou a aprender. Quando fui convidada para ir à Malásia a uma universidade de gestão, pensei que iria falar sobre gestão, mas acabei por falar sobre o facto de os jovens parecerem estar em algum tipo crise. E é uma crise difícil que acontece não só na Malásia, ou na Ásia, ou em África, ou mesmo na Europa ou América, é global. Os jovens parecem estar crise de compreensão sobre quem são, o que estão a fazer, qual é o seu meu objetivo, para onde está a sua vida a ir. Como resultado disso, acho que, realmente, temos de voltar à mentoria, porque muitos jovens são muito talentosos, estão extremamente envolvidos, são inteligentes, trabalham muito, mas estão perdidos, se o posso dizer assim sem ser rude. Não estou a dizer que estejam perdidos por falta de empenho, mas porque acho que a sociedade e mundo que eles cresceram foi geral e foi muito interconectada. Muitos de nós, quando começámos, fizemo-lo nas nossas famílias, dentro das nossas comunidades, depois dentro das nossas cidades, e depois o nosso país e depois lançamo-nos. Muitos destes jovens começam a lançar-se; aos seis, sete ou oito anos já estavam a jogar online com outras pessoas. Parte do seu desenvolvimento, se não foi perdido, foi limitado. Portanto, acho que muitos jovens precisam de mentores, querem um caminho para seguir.

As empresas que se focam em ter mentores de jovens, oferecendo-lhes um caminho, como que voltando ao básico, acredite-se ou não, são empresas que vão ter sucesso com jovens, porque acho que eles vão responder a isso.

Nós fizemos uma avaliação na Universidade Multimédia da Malásia, uma escola de gestão, olhando para que questões consideravam os jovens e surpreendeu-me bastante; estávamos a tentar perceber porque é que saíam dos projetos, mesmo depois da licenciatura, e porque é que não ficavam mais de um ano num emprego, e porque é que desistiam e não tentavam voltar ao mercado de trabalho. E percebemos que há uma crise com os jovens, uma crise básica, de quem são. As pessoas estão, realmente, a tentar descobrir onde se enquadram. E eu acho que as empresas que realmente querem envolver os jovens, eu sugiro que comecem a trabalhar com as pessoas jovens nas questões básicas, na mentoria.

Que tipo de problemas as empresas lhe trazem na consultoria? Este tipo de problemas de que estamos a falar ou questões mais práticas, operacionais?

É muito interessante. Quando me contactam, eu penso que uma determinada empresa me vai me perguntar sobre um tema particular, uma farmacêutica vai questionar-me sobre como podem entrar num determinado mercado, porque me especializei em política farmacêutica, foi o meu primeiro doutoramento. Mas, nesta sociedade interconectada, incluindo também negócios e gestores, tudo é com um efeito dominó. Tenho médicos formados a perguntarem sobre programas para irem para outros países, tenho administradores a dizerem que têm pessoas que ficam demasiado tempo nos hospitais, cada país é diferente. Como disse, estive numa universidade de gestão e pensei que ia lá falar sobre problemas de gestão, mas não era isso que eles queriam, porque não era o que eles precisavam.

Os gestores podem pedir qualquer coisa. Muitas vezes pode ser uma questão de tentar desenvolver ou relançar um programa de retenção de talento. Custa muito conquistar um trabalhador, as empresas gastam muito dinheiro para conseguir um trabalhador e, então, quando nós os tentamos gerir, mas, mais importante, gerir o seu output, e os nossos resultados, pode tornar-se difícil. Temo-nos de lembrar de que estamos a lidar com seres humanos. Têm as suas possibilidades, os ativos, têm inteligência, têm tudo o precisam, mas são pessoas.

Trabalhei com governos, embaixadas, escolas. A última é diferente, uma escola para jovens de 15 a 16 anos, preparando-os para falar na ONU.

Trabalha com os jovens e nós tendemos a vê-los como empreendedores, capazes de criarem o seu próprio emprego, a sua própria empresa. O que lhes diz? Onde têm de se focar?

Eu acho que os jovens se tornam naturalmente empreendedores, porque estão acostumados a fazer o seu caminho. Os jovens hoje, em todo o mundo, estão a fazer isso. Preferem criar os seus próprios projetos a candidatarem-se a empregos. Então, eu diria aos jovens empreendedores, conheçam o seu porquê, percebam porque estão a fazer o que estão a fazer; que valor procuram, que valor querem dar ao mundo. Não é só sobre fazer dinheiro. Qual é o valor? Como estão a ajudar a humanidade? Como estão a ajudar o negócio? Como estão a ajudar as pessoas? Essa é a primeira coisa. A segunda é lembrarem de que há sempre alguém que o fez antes, talvez não exatamente o que você está a fazer, mas eu diria para encontrarem um mentor.

Ter uma licenciatura é interessante, ter financiamento é ótimo, ter uma ideia é maravilhoso, mas não há nada como ter uma mentoria e ter pessoas mais velhas a ajudarem a descobrir como não cair em alguns dos obstáculos que eles podem ter enfrentado.

Diria, também, estejam prontos para falhar. Tenho um amigo que diz falha para a frente. O que isso significa? O sucesso não construído em cima do sucesso, o sucesso é construído, muitas vezes, não saber exatamente o que se quer fazer e como o fazer. Então, prepare-se para isso. Entenda que esse insucesso não significa que há algo que errado consigo, nem com o que você fez; é apenas a forma como o mundo funciona.

Eu diria aos empreendedores que são jovens, não só está bem falharem, mas por favor acelerem e façam-no rápido e façam-no muitas vezes. Quando o fazem muitas vezes, poderão encontrar o sucesso. Mas lembre-se de que o sucesso não é um ponto de chegada; o sucesso acontece e depois têm de começar de novo.

É um processo.

É um processo contínuo.

Trabalha também com Departamento das Nações Unidas para Assuntos Económicos e Sociais. Como olha para o momento geopolítico e para a ascensão do Sul Global, com todas as alterações que a tecnologia permite? Estamos a viver um período de mudança?

Acredito que não só estamos a testemunhar uma mudança, mas somos parte dela, mesmo sem o perceber.

Podemos falar de todos os tipos de coisas, não apenas de educação, mas também da banca – hoje em faz-se pelo telemóvel. E a economia informal, que não é necessariamente informal, porque a verdade é ao que chamamos informal em alguns países representa 80% da economia. Agora, trouxemos todas estas pessoas para a utilização da moeda, para a banca digital, e, com o telemóvel, você pode aprender tudo sem custos.

Eu estive numa escola de gestão, tirei um MBA em dois anos e trabalhei muito. A mesma escola veio e disse-me Drª King pode ajudar-nos a divulgar que estamos dando a dar 15 horas de créditos? Perdão, eu paguei por isso, você está a fazer o quê? Hoje, no mundo, se você tem telemóvel pode ter uma educação.

Também acho que quando olhamos para o mundo, em geral, muitos países estão a erguer-se e a dizerem não só que querem ser reconhecidos, mas também ser tidos em conta, que as suas opiniões contem. Está a acontecer e eu acho que é muito importante que aconteça. É preciso que aconteça.

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