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Arquitetura: lugar de permanência

O debate sobre a arquitetura e sobre a qualidade das transformações que acontecem nos territórios que habitamos é cada vez mais essencial, pois toda a intervenção arquitetónica, além de determinar a paisagem (Cruz, 2012; Muxi, 2004) colhe uma incomensurabilidade de impactos sociais, inferindo sobre a qualidade de vida de todos os que habitam esses lugares.
14 Outubro 2020, 07h15

Tempo e espaço são conceitos determinantes no processo e exercício da prática da Arquitetura em cada território que habitamos. São as pessoas, que habitando, usufruindo dos espaços, que determinam a sua condição enquanto lugares de permanência, distintos de outros espaços efémeros: “não-lugares” (Augé, 1992). Nas cidades, todos os habitantes, “cidadãos”, residentes locais ou turistas, determinam a transitoriedade e a temporalidade do território por eles habitado.

O debate sobre a arquitetura e sobre a qualidade das transformações que acontecem nos territórios que habitamos é cada vez mais essencial, pois toda a intervenção arquitetónica, além de determinar a paisagem (Cruz, 2012; Muxi, 2004) colhe uma incomensurabilidade de impactos sociais, inferindo sobre a qualidade de vida de todos os que habitam esses lugares.

A “desfuncionalização” dos lugares desabitados – transformados em lugares de perda e ruína – é tantas vezes consequência provável da não identificação cultural de uma sociedade com esses lugares que outrora foram habitados. A não superação das transformações que acontecem no decurso do tempo, no edificado e no território é também causa e origem desse mesmo processo de não identificação e recusa. A arquitetura, enquanto processo inclusivo, mais do que tecer hipóteses reflexivas, deverá apontar as reais soluções para todas as pessoas que habitam um determinado território.

«Os lugares são mais fortes que as pessoas, o cenário mais que o acontecimento. A possibilidade da permanência é o único critério que permite que a paisagem ou as coisas construídas sejam superiores às pessoas» (Rossi, 1966). Os lugares, porque habitados são espaços ideológicos determinados pelo tempo: quer num sentido estético, quer num sentido democrático (Alves, Oliveira, & Oliveira, 2014; Augé, 1992; Deutsche, 1998; Mitrache, 2012; Solfa, 2010). Por isso, todo o lugar habitado deverá ser, necessariamente, espaço de debate.

Ora, o exercício da arquitetura exige humildade e tempo. O Tempo é uma das chaves de compreensão dos fenómenos arquitetónicos. Senão vejamos, a vida de um edifício não parece ser a de um objeto que apenas vai envelhecendo até ser destruído ou que desaparece em pó. Um edifício é também uma realidade mutante. Pode ao longo do tempo, ser objeto de reconstrução ou até de restauro, transformar-se em partes irremediavelmente substituídas, pode incorporar-se noutro edifício ou fazer parte de um novo conjunto.

A intimidade entre “o velho” e “o novo”, obrigam a uma cuidadosa negociação e conciliação de diferentes tempos entre linguagens formais de arquitetura, que de modo algum se conciliam com “pastiches” de aproximações miméticas de outras construções. Esta interação exige humildade perante a conservação dos valores presentes e disciplina perante a introdução de novos “sintagmas” e a sua relação com os velhos signos.

Aldo Rossi, em «L’àrchittetura della cità» (1966) desenvolveu «a teoria da permanência», que atribuía a maior importância à variação temporal, reconhecendo nas cidades marcas e edifícios-monumentos que ao acompanharem a sua história asseguram muito da identidade das urbes. O próprio Rossi (1966) afirma que: «na realidade as formas arquitetónicas elaboram-se no tempo e tornam-se património comum da arquitetura como acontece com qualquer técnica ou ciência. Alguém antes de nós viu certas coisas e no-las transmite».

E isto vem a propósito do tipo de procura, que tem vindo a proliferar nas últimas décadas, no mercado imobiliário. Alguns empreendimentos vendem modernidade, mas também tecnologia, estando muito mais voltados, principalmente, para as questões de segurança do que para a inclusão social dos seus moradores.

A procura por ambientes diferenciados, associados a uma condição de vida, mais cultural, com apelo à assunção de um novo “status social”, quando associados à procura da menção de um arquiteto de renome ou de uma empresa construtora altamente conceituada, fazem com que os empreendimentos atinjam mais facilmente, um fator de diferenciação e exclusividade, com níveis altos de venda. Para este nicho de mercado, a classe social privilegiada a quem se dirige, pode e quer pagar pela marca! O edifício enquanto produto, destaca o projeto de arquitetura, funcionando como uma montra, como elemento promocional de negócio.

Cabe ao arquiteto, contribuir para a dignificação da sua profissão, nomeadamente exercendo publicamente o seu papel de responsabilidade social perante as transformações no território: a valorização do património histórico edificado, a educação estética, a inclusão social e a identificação com os novos processos sociais e culturais. Porque, a tarefa do arquiteto é um “dever maior” que vai além da sua formação técnica, artística e humanística, exige colocar o seu saber e a sua prática específica do entendimento dos lugares, da conceção do espaço, do projeto e do domínio construtivo, ao serviço de todos, de toda a comunidade, sem excluir ninguém.

Mas, o mercado imobiliário utiliza também, o apelo à tradição e à história da cidade, para promover imóveis localizados em lugares de grande valorização no passado. A este nível o mercado português continua a ser atrativo para investidores externos.

O conceito de «marketing do lugar» (Ashwhort & Voogd, 1994) é o resultado da integração do marketing social e marketing da imagem. E a imagem da cidade é o reflexo das relações socio-económicas e políticas que nela se desenvolvem e da sociedade que nela habita (Ashwhort, G. & Voogd, 1994; Klingemann et al., 2018; Lipovetsky, 2019).

A despolitização do lugar habitado, nomeadamente nas cidades, expôs e acentuou a natureza conflituosa do espaço urbano (Cadela, 2007) determinando o processo de conceção arquitetónica, muitas vezes em função das estratégias de especulação imobiliária e da exploração do território. A expansão urbana não está dissociada das operações do mercado imobiliário (Gonçalves, 2009) , no entanto, tal não sinónimo do desenvolvimento sustentável que queremos.

O diálogo entre o “novo” e o pré-existente é um tema que se deve aplicar não apenas à reabilitação urbana, mas a toda a produção arquitetónica, como se de notas musicais a compor uma pauta se tratasse (Buchholz, 2010; Riopel, 2012). Se por outro lado, ao concebermos um processo de reabilitação, assumimos uma proposta de intervenção contemporânea, deveremos ponderar se a utilização dos materiais existentes, remetem ou não para a memória do edificado. Ou se pelo contrário, a intervenção de reabilitação assume-se como um testemunho do presente, justificando deste modo a utilização de materiais contemporâneos, em contraponto com o existente (Bogéa, 2014; Vetrone, 2018). As escolhas irão influir no processo de (re) identificação com o lugar habitado.

Os lugares têm caráter. O caráter do lugar nunca é estático, pois o tempo carrega a mudança na evolução do homem e os edifícios acompanham essa mudança. A revitalização das cidades poderá possibilitar a sustentabilidade do desenvolvimento económico, ambiental e social e tal poderá ser realizado criando diálogos entre o novo e as pré-existências, uma espécie de reconciliação com o passado, que o mercado imobiliário deverá procurar a fim de manter o caráter, a essência e a identidade dos lugares.

Referências bibliográficas:

Alves, I. A., Oliveira, M. F. S. de, & Oliveira, O. J. R. de, (2014). Arte & política : tessituras do urbano. Revista: Entretextos, Londrina.

Ashwhort, G. & Voogd, H. (1994). Marketing and Place Promotion. John Wiley & Sons, Chicester, 1994. Chicester: John Wiley & Sons.

Augé, M. (1992). Non-lieux – Introduction à une anthropologie de la surmodernité. Paris: Éditíons du Seuil.

Bogéa, M. V. (2014). Tempo: Matéria-prima da Arquitetura. Em T. Vasconcelos, J. & Balem (Ed.), Bloco 10: ideias sobre futuro. Nova Hamburgo: Feevale.

Buchholz, R. (2010). Séminaire au DHTA de Madame Mildred Galland , « Philosophie de l ’ architecture ». Ecole Normale Supérieure – Département de Philosophie.

Cadela, I. (2007). Sombras de ciudad. Arte y transformacíon urbana en Nueva York, 1970-1990. Madrid: Alianza.

Cruz, F. (2012). A estetização e a espetacularização da cidade pós-moderna. VIII ENECULT – Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura. Salvador da Bahia: IHAC – FACOM UFBA.

Deutsche, R. (1998). Envictions: art and spatial politics. Massachusetts: The MIT Press.

Gonçalves, C. (2009). Expansão urbana e mercado imobiliário: A cidade de Caldas da Rainha como Laboratório. Universidade de Lisboa.

Klingemann, H., Scheuermann, A., Laederach, K., Krueger, B., Schmutz, E., Stähli, S., …Kern, V. (2018). Public art and public space – Waiting stress and waiting pleasure. Time and Society, 27(1), 69–91. https://doi.org/10.1177/0961463X15596701

Lipovetsky, G. (2019). Agradar e tocar: Ensaio sobre a sociedade da sedução. Lisboa: Edições 70.

Mitrache, G. (2012). Architecture, Art, Public Space. Procedia – Social and Behavioral Sciences, 51, 562–566. https://doi.org/10.1016/j.sbspro.2012.08.206

Muxi, Z. (2004). La Arquitectura de la ciudad global. Barcelona: Editorial Gustavo Gilli.

Riopel, M. (2012). Dialogue entre Architecture et Musique: Essai (projet) soumis en vue de l’obtention du grade de M.Arch. Université Laval.

Rossi, A. (1966). L’Architettura della città. Padova: Marsilio.

Solfa, M. (2010). Interlocuções entre arte e arquitetura como práticas críticas: a teoria arquitetônica de Bernard Tschumi e a cena artística dos anos 1970. Dialogues between art and architecture as critical practices.

Vetrone, M. L. (2018). Diálogos com a Preexistência : Leitura crítica de projetos de intervenção no património cultural edificado de Coimbra nas últimas décadas. Universidade de Coimbra.

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