As Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) feitas, por tudo e por nada, a muitos parecem agradar. Aos políticos para fazerem combate e nalguns casos chicana política. Aos cidadãos porque gostam de ver políticos e gente conhecida a ser publicamente achicanada. Aos órgãos de comunicação social idem, pois são profícua fonte de notícia.
Naturalmente, que os políticos que as impulsionam, também sabem que têm tempo de antena acrescido. Ao povo serve-se “pão e circo” disse-o na Roma antiga o poeta satírico Décimo Juvenal. Até aqui, o “circo” é tão só isso mesmo. Mas, a partir do momento em que as CPI passam a autoinvestir-se de poderes que nem o Ministério Público (MP) tem nas investigações, o caso torna-se sério.
Os direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República Portuguesa são os alicerces do Estado de Direito democrático em que vivemos. Em especial, as garantias dos cidadãos em processo penal, as quais exigem que interferências de atos da investigação do MP na esfera privada dos cidadãos, seja ordenada por um Juiz de Direito, como acontece com a apreensão de correspondência (eletrónica ou documental), nas escutas e nas buscas.
As CPI estão hoje erigidas em precursoras do desmantelamento das garantias de defesa que a Constituição reconhece aos cidadãos no processo penal. Pois, nelas (CPI), políticos, transmutados em investigadores sem formação técnico-jurídica para isso e sem autorização de um Juiz, ordenam aos inquiridos, mediante ameaça de participação por crime de desobediência, que lhes apresentem provas que, na maior parte dos casos, exorbitam o mero escrutínio político, mas que podem ter relevância penal e que representam, pelo menos, nalgumas situações, mesmo sem relevância jurídico-penal, uma ingerência na vida privada dos visados.
E, nem se diga que, no futuro, as CPI possam vir a praticar tais atos mediante autorização judiciária, equiparando os poderes das CPI aos do Ministério Público, o que é, além inconcebível numa Comissão de escrutínio limitado ao campo político, uma equiparação manifestamente inconstitucional e que representaria um precedente perigoso no ataque ao Estado de Direito democrático. A situação raia o insólito, quando para mais nas CPI, os investigadores são também julgadores. Fazem a acusação e em seguida prolatam a sentença.
É manifesto que num Estado de Direito democrático, as CPI não podem coincidir no seu objeto com investigações criminais em curso. Não deixa de ser irónico que seja o Parlamento a dar um contributo relevante para a demolição das conquistas de abril de 74.