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Bastonária: “As grandes preocupações dos [contabilistas] têm a ver com as relações com a Autoridade Tributária”

Paula Franco já concretizou o objetivo de equilibrar as contas da Ordem. Agora, quer reforçar a união da classe, para conseguir capacidade para resolver problemas e garantir maior rendimento.
20 Outubro 2018, 11h00

Paula Franco é a nova bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados, depois vencer as primeiras eleições realizadas após a morte de António Domingues de Azevedo, histórico líder da classe, em 2016. Estabeleceu como objetivos melhorar as condições de exercício da atividade e, também, as condições de vida dos profissionais do sector. Para que isso aconteça, defende que é necessário um novo posicionamento, da Ordem e dos próprios contabilistas, e uma mudança de mentalidades. Em entrevista ao Jornal Económico, faz um balanço “muito positivo” dos primeiros meses do mandato, com vitórias que resultam já de uma nova postura.

 

Que balanço faz deste primeiro semestre na liderança da Ordem?

Ao fim de sete meses, podemos dizer que o balanço é muito positivo. É positivo porque tínhamos muitos objetivos, ambiciosos, e estamos a conseguir concretizá-los. Num espaço de sete meses que é um período muito curto para se afirmar seja o que for eu diria que já temos muitos resultados para apresentar. Portanto, o balanço é muito positivo.

 

Definiu como prioridade o reforço do relacionamento da Ordem com os seus associados. Como se concretiza, especialmente depois de um processo eleitoral atribulado?

Estas relações constroem-se passo a passo. O período eleitoral foi conturbado, portanto, é natural que crie cisões entre membros. Tudo aquilo que tentamos fazer eu, particularmente, como bastonária é tentar, cada vez mais, uma aproximação pessoa a pessoa com todos os membros; temos tentado fazê-lo e temos tido muitas pessoas a aproximarem-se da Ordem, que estariam muito mais afastadas há uns tempos atrás. Todo esse trabalho de união da profissão está a ser conseguido e concretizado, mas é um trabalho que demora mais tempo, porque trazer os membros para dentro da Ordem, sentindo-se como parte integrante desta organização, ainda é uma situação que está a desenvolver-se. Sentimos uma abertura maior por parte dos membros, em dirigirem-se à Ordem, em usufruírem daquilo que a Ordem proporciona, em sentirem que fazem parte; essa união está a nascer, está a crescer.

 

Tinha previsto a criação de três novas comissões na Ordem, para substituir as cinco que existiam. Já foram criadas?

Ainda não; estivemos estes sete meses a arrumar a casa. O que fizemos foi a extinção daquilo que existia; agora, estamos a reequilibrar tudo, a reajustar os serviços, os objetivos, e, por isso, as novas comissões só serão criadas no próximo ano.

 

Quais serão?

Uma será relacionada com os jovens, uma aproximação para motivar os jovens a virem para a profissão, a estarem mais próximos da Ordem; outra será muito para apoio às empresas de contabilidade, para percebermos quais são as dificuldades e como se podem ultrapassar; e, claro, uma das principais será do controlo de qualidade, que no próximo ano voltará a avançar.

 

Aproveitando o trabalho que estava a ser feito e o histórico?

Sim, mas reestruturando tudo. Queremos um controlo de qualidade completamente diferente, pedagógico, que traga os membros e os una, que não os afaste da Ordem, mas que que os faça sentir que este é um aspeto positivo da profissão, que seja desejado pelos membros. Este é o grande objetivo do novo controlo de qualidade e, por isso, temos de ter muito cuidado em toda a sua estrutura, com toda a forma como se vai concretizar, para não provocar o afastamento, mas sim inclusão e um respeito grande pelo processo.

 

Nos contactos que tem mantido com os associados, quais são as maiores preocupações evidenciadas?

As grandes preocupações dos profissionais, de uma forma geral, têm a ver com as relações com a Autoridade Tributária. O contabilista tem muitas obrigações relacionadas com questões fiscais, se calhar, mais até do que a própria contabilidade. Por isso mesmo, toda a relação com a Autoridade Tributária e as obrigações fazem com que a vida dos contabilistas tenha piorado consideravelmente, porque não temos vida própria, passamos a vida a ter de responder a novas exigências, novas necessidades, novas obrigações, e isso criou constrangimentos e trouxe problemas à vida pessoal, familiar, dos contabilistas, que é o que nós queremos ultrapassar. Um dos grandes objectivos que temos é melhorar a qualidade de vida dos contabilistas, porque realmente piorou bastante e é uma das maiores queixas dos contabilistas certificados: falta de tempo, uma vida familiar limitada pelas muitas horas que passam a trabalhar e o não terem rendimentos suficientes, porque têm avenças baixas. Há aqui muitos aspectos a melhorar, que passam por um conjunto de situações que tem a ver com esta gestão com a Autoridade Tributária, mas também com a gestão da ligação dos contabilistas aos próprios clientes, no que respeita às avenças e aos valores cobrados.

 

Definiu como objetivo o reposicionamento da Ordem face à Autoridade Tributária, mas também face ao poder político. O processo já se iniciou?

Já. Temos trabalhado muito nisso e os resultados de que falei destes primeiros meses à frente da Ordem têm vários pontos positivos do ponto de vista da gestão interna, mas também têm a ver com esta ligação com o governo, com a Autoridade Tributária, com os sectores empresariais e com os partidos políticos. Temos tentado uma aproximação muito grande com o objectivo, também, de influenciarmos nas normas que têm a ver com a vida dos contabilistas. Temos apresentado muitas propostas, negociado muitas situações com o governo e temos vindo a concretizar muitos objetivos, muito sonhos, eu diria, de muitos anos. Por exemplo, a questão do calendário fiscal é uma realidade hoje; a questão dos prazos de disponibilização das declarações já foi aprovada recentemente e foi uma vitória enorme dos contabilistas, porque lhes permite planearem o tempo de trabalho, que era algo que os contabilistas há muito que pediam, para terem condições de planeamento do seu trabalho. O orçamento do Estado traz ainda o compromisso do governo de criar a figura do justo impedimento para o contabilista. Isto é a realização de uma série de situações que só foram possíveis nessa mesma base de tentativa de reposicionamento junto da Autoridade Tributária, não numa posição de submissão, mas sim numa posição de contribuirmos para aquilo que pode melhorar a economia e para a melhoria de uma classe profissional que muito contribui para a economia.

 

Em relação à atividade, referiu as avenças baixas, mas também a concorrência desleal. Como se pode resolver o problema?

A concorrência desleal é um dos maiores problemas da profissão. Quando estamos a falar dos problemas que fazem com que os contabilistas acabem por ter uma vida que não é a que corresponde aos seus desejos, tem tudo a ver com uma série de condições que o próprio contabilista também cria, a começar no respeito pelos colegas, na falta do dever de lealdade, que muitas vezes existe, e na prática de honorários muito baixos, que também, no fundo, põem em causa o dever de lealdade. Oferecer valores inferiores aos que são praticados estamos a interferir naquilo que é o mercado e os contabilistas, todos, de uma forma geral, temos de crescer deste ponto de vista; as outras profissões são muito mais unidas; se falarmos de médicos, de advogados, protegem-se, e os contabilistas têm de aprender a posicionar-se aí, protegendo-se, defendendo-se e dizendo “se eu não quero isto para mim, também não quero para um colega”; é aí que têm de ser exigentes, com eles próprios, no dever de lealdade, no cumprimento das obrigações, para que todos juntos possamos crescer e dignificarmo-nos e ter melhores condições de trabalho.

 

E qual é o papel da Ordem? Além da função de evangelização da classe, é possível criar mecanismos que ajudem a cumprir esse objectivo?

É. Como se percebe, isto é, no fundo, alterar mentalidades, que é uma coisa muito difícil, mas que é algo a que nos propusemos desde o princípio. Nós temos mesmo de mudar mentalidades na classe, porque senão não chegamos a lado nenhum. E passa por todos interiorizarmos isso. Além da evangelização, temos de ter medidas concretas, porque se não as tivermos é muito mais difícil. Como sabe, a Ordem não pode ter honorários mínimos, porque a Autoridade da Concorrência não o permite, mas podemos intervir, de alguma forma, ajudando e dando formação aos contabilistas, para que saibam determinar os seus custos. A profissão é muito exigente, exige muitas horas de trabalho e o contabilista tem de perceber onde perde, onde ganha e o que deve fazer para evitar perder dinheiro; a Ordem tem de os ajudar a fazer isso, através de formação, mais direcionada para a relação do contabilista com os seus clientes, com a determinação de centros de custos. Estamos a preparar um projeto que vai definir, no fundo, aquilo que é o custo que um gabinete normalmente tem, para ajudar no cálculo a fazer por parte do contabilista, para que ele saiba determinar aquilo que é o justo valor do seu trabalho. Sabemos que estamos no mercado, quem paga quer sempre pagar menos, quem recebe quer sempre receber mais, mas aquilo de que estamos a falar é de receber o justo. O trabalho da contabilidade é muito exigente e nenhum contabilista pode fingir que trabalha, tem mesmo de o fazer, e isso implica a perda de qualidade de vida e é aí que queremos batalhar muito.

 

A insegurança na legislação fiscal continua a ser problema ou tem evoluído de forma positiva, a partir da relação que agora têm com o governo e com a Autoridade Tributária?

Em algumas situações, sim, mas ainda há muito para evoluir, nomeadamente na defesa dos contribuintes, o que depois tem uma implicação direta com os contabilistas. Hoje em dia, em Portugal, utilizamos muito a aplicação de coimas e procedimentos tributários para serem quase uma receita para o Estado – inverteram-se aqui as questões – e isto tem consequências diretas para a atividade do contabilista. Por isso mesmo, esta relação com a Autoridade Tributária é muito importante que tenha resultados, nomeadamente em mudarmos determinadas disposições relacionadas com o Direito tributário. Há um artigo que é muito importante, que é o número 32 do RGIT [Regime Geral das Infrações Tributárias], que, no fundo, salvaguarda a aplicação de coimas quando não se lesa o Estado, mas que depois tem uma aplicação discricionária por parte dos serviços de Finanças; por isso mesmo temos a preocupação de que deixe de ser discricionária, que haja maior justiça e que os contribuintes tenham a possibilidade de ver os seus direitos assegurados. O facto de não existirem tantas alterações fiscais [no OE] é positiva, mas também temos de mexer nas que já existem, porque estão a provocar muitos constrangimentos.

 

Disse que a situação financeira da Ordem era um problema. Já melhorou?

Nós acabámos de publicar o relatório do terceiro trimestre. Uma das coisas a que nos comprometemos e que é um pilar importantíssimo deste conselho diretivo é a transparência e a apresentação de contas. Qualquer instituição, perante os seus associados, se mantiver uma política de transparência não causa ruído e dá maior confiança; é isso que queremos e é isso que tínhamos como grande objetivo desde o princípio. As contas da Ordem, de facto, apresentavam alguns problemas, nomeadamente ao nível da tesouraria, dados os grandes investimentos que foram feitos nos últimos anos. Por isso, uma das nossas preocupações era, de facto, conseguir que as contas e a tesouraria da Ordem ficassem estáveis e, pelo menos, apresentassem sinais positivos. Quando chegámos, em março, tínhamos contas caucionadas para gestão de tesouraria corrente de um milhão e 846 mil euros. Portanto, estava-se a viver acima das possibilidades da Ordem, com dinheiro de financiamento e essa foi uma das maiores preocupações que tivemos. Poupámos, reduzimos muitos gastos, cada cêntimo é avaliado, é analisado, para não haver excessos ou despesas desnecessários. Isto foi uma coisa positiva, que contribuiu para o balanço positivo. A 15 de outubro, pagámos a última tranche das contas caucionadas. Em sete meses, pagámos 1,846 milhões e já não temos contas caucionadas. Agora, vamos partir quase de um plano zero de autofinanciamento e é isso que queremos manter. Eu diria que, neste momento, estamos estáveis. Fizemos um grande esforço para cobrar quotas e ter um equilíbrio daquilo que também são as obrigações dos membros perante a Ordem e estamos a consegui-lo. O esforço também é dos membros, porque é quem paga as quotas. O que gastamos temos de pensar que os recursos são dos membros, são dos contabilistas certificados, e, por isso, temos de pensar muito bem antes de os gastar. É isso que temos feito. Valeu a pena; a gestão está a ter resultados positivos. Apresentámos agora um lucro, no final do terceiro trimestre, de 3,5 milhões de euros, com a redução de gastos, para termos o equilíbrio de tesouraria. Neste momento eu posso dizer que a tesouraria da Ordem está estável, está segura, e já não dependemos de financiamentos, exceto os de logo prazo.

 

O próximo objetivo passa por reduzir o endividamento de longo prazo?

Sim, mas nós não temos um endividamento de longo prazo muito elevado. O que acontece é que a Ordem tem feito muitos investimentos e, por isso, tem um parque imobiliário muito grande, com muito valor, e o financiamento representa cerca de um terço do valor ou abaixo de um terço. Não se pode dizer que o endividamento, no nosso caso, esteja desequilibrado face aos investimentos que foram feitos. O que me preocupava mais era esta necessidade de recorrer a contas caucionadas para a gestão corrente. Isso é que não pode acontecer e não vai acontecer durante este mandato.

 

Uma das promessas da campanha foi a redução das remunerações dos órgãos sociais. Já foram feitas?

Já. Temos umas regras um pouco diferentes daquelas que existiam, porque, hoje em dia, temos uma comissão de remunerações que determina as remunerações. Aquilo que tínhamos previsto e que era um dos pontos da campanha era uma redução de, no mínimo, 30% das remunerações. Isso foi concretizado e até ultrapassou os 30%. Mas tínhamos outra preocupação: os gastos das deslocações, das despesas de representação, que eram, de facto, muito elevados e para os quais tivemos de criar medidas muito rígidas. Nem todas a gente as compreende e até tem, por vezes, causado alguns constrangimentos, mas não se consegue recuperar a tesouraria e ter estabilidade sem ser muito rígido, sem ter muito cuidado com todo os gastos e sem abrir exceções. Essa é uma das coisas em que sou muito rígida, não abro exceções.

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