O fim das letras miudinhas nos contratos dos consumidores, nomeadamente com os Bancos, é uma boa notícia. Desde 2014 que alerto para a necessidade de se incorporar e aplicar mais o conhecimento da psicologia em benefício dos cidadãos e em melhores políticas públicas, particularmente no sector financeiro da economia.

Desde há vários anos que dou o exemplo das letras miudinhas nos contratos para exemplificar possíveis mudanças simples e de elevado impacto. Mudanças de pouco custo e que protegem os consumidores e previnem muitos outros custos decorrentes de compromissos evitáveis ou menos esclarecidos.

De facto, as letras miudinhas caem numa limitação dos nossos processos mentais. Quem não olhou para estas páginas de caracteres minúsculos amontoados em cima uns dos outros e não se “cansou” de imediato, afastou os olhos e passou à frente de aversão do esforço que antecipava ter que fazer? Pois! É que as nossas capacidades de processamento de informação são limitadas e nós tendemos a querer poupar energia nos nossos processos mentais e nas nossas tomadas de decisão.

Por outro lado, muitas vezes sofremos de enviesamentos de optimismo e consideramos que se trata de uma entidade idónea e/ou que certamente as autoridades já verificaram estes documentos e/ou que se fosse ilegal (o que não era) já alguém teria protestado. Até agora esta era uma prática legal, mas já era uma prática muito pouco ética. Afinal qual era o objectivo das letras serem miudinhas? Poupar papel?

Atenção! Exigir mudanças do tamanho e espaçamento não chega: é crítico que seja facultada informação simplificada, mas rigorosa sobre todos os compromissos que estão a ser assumidos aquando da assinatura de contratos de consumo, especialmente nos de crédito e sempre que estamos perante temas mais complexos. Não esquecer que quanto menos conhecemos de um certo tema mais tendemos a ter certezas sobre ele no momento da decisão – o chamado efeito Dunning-Kruger.

Ou o conhecido enviesamento de acharmos que só acontece aos outros, ou de darmos muito mais atenção à informação que vai ao encontro do que nós desejamos fazer, ou se todos os outros o fazem é porque não há nenhum risco, ou… muitos e muitos mais enviesamentos e distorções decorrentes do nosso pensamento e que a todos nos pode afectar.

Deste modo, a aposta crescente e cada vez mais precoce na literacia financeira, incluindo mais recentemente o conhecimento sobre a forma como mentalmente procedemos à tomada de decisão, que felizmente tem sido cada vez mais uma realidade, é tão importante e deve ser incrementada (ver todoscontam.pt).

Aumentar o nosso conhecimento pode ser protector. E num momento em que cada vez mais vai desaparecendo a intermediação tradicional nos serviços financeiros, com mais actividade online e mais prestadores de serviços financeiros tecnológicos, e em que é crescente a digitalização da economia (como evidenciado pelo 3º inquérito à literacia financeira dos portugueses), é estratégico investir em competências que nos tornem mais ciberresilientes (a este propósito a Ordem dos Psicólogos colabora com o Centro Nacional de Cibersegurança).

Ou seja, que sejamos capazes de ter comportamentos mais protectores para a nossa segurança online, pois esta, entre outras razões, também contribuirá para a nossa segurança financeira, como nos fenómenos de phishing, só para dar um dos exemplos mais conhecidos.

Que o fim das letras miudinhas seja só mais um passo para incorporarmos a ciência psicológica nas políticas públicas, em benefício dos cidadãos.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.