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Braga da Cruz: “As medidas sócio-económicas têm que ser adaptadas a cada região”

Antigo ministro da Economia alerta que o país “não é homogéneo” e que as medidas sanitárias e socio-económicas devem atender às especificidades do território.
29 Junho 2020, 08h05

Luís Braga da Cruz, ex-ministro da Economia e antigo presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, defende que o plano de recuperação da economia deve atender às realidades diferenciadas de cada região, salientando que o país “não é homogéneo”.

Em entrevista ao Jornal Económico, o engenheiro que ocupou o Ministério da Economia no governo de António Guterres alerta ainda para as consequências da exposição económica de Portugal a mercados como o espanhol, o francês e o alemão, no atual contexto de pandemia mundial.

“Qualquer plano de recuperação económica que venha por aí tem que contar com esta situação diferencial de território. E as soluções têm que ser construídas não de cima para baixo, mas de baixo para cima. Esse é um grande desafio que temos todos pela frente”, afirma.

Para o ex-governante as políticas adotadas pelo Governo têm que ser de natureza sanitária, mas têm que ser simultaneamente de natureza socio-económica. Porém, alerta que estas “têm que ser adaptadas às circunstâncias de cada setor, de cada território, de cada região”.

Luís Braga da Cruz, que coordenou o webinar “Lições da Análise Territorial da Pandemia”, promovido pelo Conselho Económico e Social, sustenta-se nas conclusões dos vários intervenientes para explicar que as especificidades territoriais têm impacto quer na evolução da pandemia no território nacional, com níveis de incidência e mortalidade distintos, quer na retoma que se espera da economia.

“Portugal não é um país pequeno. Há dois terços dos países da União Europeia que têm ou menos área ou menos população que Portugal. Portugal apesar de ter um PIB per capita um valor abaixo da média da União Europeia, está em 19º lugar no ranking dos 27, está longe de ser um país homogéneo”, diz, acrescentando que “não ser homogéneo significa que tem diferenças físicas e humanas que reclamam uma atuação económica e social também diferenciada”.
“Quando ficamos surpreendidos como é que a Covid incide de forma tão diferenciada no território nacional é preciso compreender o resto. Compreender que o clima é diferente, a hidrologia, a estrutura fundiária, a distribuição demográfica, a especialização produtiva”, ressalva. “As singularidades justificam que haja tratamento diferenciado de cada território e para encontrar soluções perfeitas, que tenham expressão na economia e na coesão nacional, é muito importante que essa diferenciação seja tomada em linha de conta”.

Para este retrato, exemplifica com o contributo das NUT II para o crescimento da economia nacional. Entre 2000 a 2008, a Área Metropolitana de Lisboa contribuiu com 41% para o crescimento médio nacional, o Norte contribuiu com 24% e o Centro com 14,5% e o resto do país com o restante. No entanto, houve uma inversão nesta participação no crescimento entre 2013 e 2018 e o Norte já contribuiu com 38%, a Área Metropolitana de Lisboa desce para 27% e o contributo do Centro aumentou para 20%.

Braga da Cruz sustenta que esta evolução resulta do facto de as economias do Norte e Centro do país serem baseadas na produção de bens e serviços transacionáveis e orientadas para a exportação.

“A isto não é indiferente uma grande mudança que foi operada tanto no Norte como no Centro. No período de programação do atual Quadro 2020, a União Europeia obrigou cada região a fundamentar a justificação de transferência de recursos financeiros da União Europeia para esses períodos com as chamadas estratégias regionais de especialização. Passou a valorizar muito a produção de conhecimento nos centros tecnológicos e nas universidades, a inovação, o valor económico desse conhecimento e o esforço para a internacionalização”, vinca. “A Covid veio apanhar-nos a meio deste ciclo virtuoso, especialmente destas regiões mais vocacionadas para a indústria transformadora”, acrescenta.

É com este enquadramento que sustenta que “as regiões mais abertas são, portanto, mais suscetíveis as oscilações exteriores. Qualquer variação da procura externa pode pôr em causa este crescimento. As soluções não são apenas de natureza sanitária, têm que ser soluções orientadas para a economia”.

Reconhecendo que a retoma económica “terá velocidades diferentes” em cada região, o ex-ministro realça que estará também dependente da “capacidade de adaptação dessas indústrias”. E deixa o recado: “Cada setor por si tem que dizer o que é que é importante para a sua retoma. Não há milagres de carácter homogéneo e universal”.

Considerando que as medidas económicas implementadas para fazer face à crise provocada pela pandemia foram “positivas”, sublinha que “são medidas temporárias podem-se estender um pouco mais, dependerá da ajuda europeia que venha por aí que pode mitigar o impacto negativo orçamental dessas medidas”.

“São medidas de proteção social, de criação de emprego e de pôr algumas das estruturas empresariais portuguesas a flutuar neste período de maior incerteza, mas depois têm que se fazer à vida sozinhas e tudo prevê que só possamos retomar níveis de PIB de 2019 lá para 2021, portanto vamos ter aqui um ano de algum ajustamento”, frisa. “Esse ajustamento pode ser crítico para as empresas que estiverem em maior debilidade. Há claramente empresas e setores de atividade que não vão retomar tão cedo a normalidade. Há situações que são delicadas”, acrescenta.

Recorda, neste sentido, que “estamos muito dependentes de determinados mercados. O mercado de Espanha representa 25% das nossas exportações, a nossa relação bilateral em termos de turismo também representa muito. Mas o excesso de dependência de certos mercados, no nosso caso Espanha, França, Alemanha, enquanto não normalizarem a procura, estamos também com problemas de ajustamento”.

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