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Associação ambientalista Zero: ”Temos que penalizar mais os carros a gasóleo e gasolina”

Francisco Ferreira disse ao Jornal Económico que há medidas que têm de ser implementadas para combater o aquecimento global e que é necessário uma ”mudança radical”. ”Portugal é um dos países mais afetados pelas alterações climáticas à escala europeia”, sublinha.
  • Francisco Ferreira DN
10 Outubro 2018, 10h05

O relatório de especialistas da Organização das Nações Unidas (ONU), divulgado no início desta semana, advertiu que o mundo terá de avançar com transformações “rápidas e sem precedentes” nos sistemas de energia, transportes, construção e indústria” para limitar o aquecimento global a 1,5º Celsius. O cenário apresentado pela ONU sobre as alterações climáticas para 2030 prevê mudanças fatais no ecossistema mundial – e Portugal vai ser um dos países da União Europeia que será mais prejudicado por estas mudanças.

O relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) sublinha que se o aquecimento “continuar a crescer ao ritmo atual”, sob o efeito das emissões de gases do efeito estufa, “deve chegar a 1,5° Celsius (C) entre 2030 e 2052”. Limitar o aquecimento global a quase um grau pode significar a diferença entre a vida e a morte de muitas pessoas e ecossistemas, de acordo com os responsáveis pelo documento, que têm “pouca esperança” que o mundo seja capaz de enfrentar este desafio.

Para o presidente da associação ambientalista Zero, Francisco Ferreira, a situação ambiental atualmente ”é um problema urgente” e admite sentir ”frustração”. “Nós sabemos quais são as soluções só temos que assumir a responsabilidade de o fazer (…) . Portugal é um dos países mais afetados pelas alterações climáticas à escala europeia”, avisa, em declarações ao Jornal Económico (JE).

“Não devemos ficar conformados, nem de forma alguma, indiferentes ao que o relatório nos diz, porque se o relatório nos diz que é possível, então é possível. Até hoje não haviam argumentos suficientemente sólidos para fomentar a mudança. Esses argumentos, quer ao nível de Portugal, Europa ou à escala global são agora muito mais claros, muito mais rigorosos e portanto, é uma enorme irresponsabilidade se não os seguirmos. Acho que não nos devemos conformar com a probabilidade de não conseguirmos resolver o problema” assegura, apelando à necessidade de criar novas reformas a favor de um mundo mais verde.

O dirigente associativo admitiu que, ao ler o relatório, se deparou com uma conclusão surpreendente: entre o aumento de 1,5 e o aumento de 2 graus Celsius, os impactos serão maiores, apesar de estarmos numa trajectória que até é superior aos 2 graus.

Quando questionado sobre o papel do Governo e dos políticos relativamente à implementação de novas medidas, sugeriu uma nova legislação de modo a apelar aos portugueses para o uso reduzido de carbono e de os alertar das medidas necessárias para a prevenção de danos que são, possivelmente, irreversíveis, ”sem dúvida que os governos têm que dar os sinais à sociedade daquilo que deve ser a prioridade,”

”Temos que penalizar mais, desde já, os carros a gasóleo e gasolina em detrimento dos veículos eléctricos para que comecem a mudar rapidamente a frota de veículos, pois demora sempre muitos anos a que aconteça. Quanto mais nos alinharmos em fazer compras e a fazer um consumo mais em linha com a redução do carbono, mais estaremos a criar economias de escala que tornam mais baratos os produtos que são efectivamente mais amigos do clima”, propôs.

Francisco Ferreira sublinhou que o papel de políticos é tão importante quanto o papel do público geral e realçou que ”todos têm que intervir”: “Às vezes, há esta ideia de que os políticos ou as pessoas mais velhas têm essa responsabilidade ou então que temos de dar educação ambiental aos mais novos porque eles é que são o futuro. Sou completamente contra essa visão. Todos temos um papel a desempenhar.”

O especialista lembrou ainda ao semanário que está a ser desenhado um plano para atingir a neutralidade carbónica em 2050. “Em Portugal, o Governo irá revelar em breve um roteiro para a retirada do carvão até 2030 e a neutralidade carbónica até 2050; ou seja, as nossas emissões em 2050 terão que ser iguais ao carbono que será retirado da atmosfera, principalmente pela floresta”, disse ao semanário. Acrescenta, contudo, que com os grandes incêndios são um obstáculo para atingir a meta proposta.

Para o porta-voz dos ambientalistas da Zero é necessário fazer mudanças nos hábitos de consumo e na produção. Francisco realça que a alimentação das pessoas está muito baseada no consumo de carne e que devem fazer um esforço para irem “buscar nutrientes ao primeiro nível da cadeia alimentar”.

”Há uma imagem muito conhecida sobre o combate contra as alterações climáticas. Se nós tivermos uma panela de água a ferver, e só pusermos a mão quando a água estiver muito quente, aí escaldamos e tiramos a mão. Se entretanto tivermos a mão posta e ela for aquecendo ao longo do tempo, nós não a tiramos. E é esse o problema. Nós vamos sentido devagarinho o que os cientistas nos dizem, e depois reverter o problema demora séculos ou até milénios. Temos que ter muito claramente esta noção de que os custos serão muito elevados para as gerações futuras e não podemos ser irresponsáveis ao ponto de sabermos o que é possível e necessário fazer e não implementarmos” 

Na corrida para um país mais sustentável

Portugal está em segundo lugar entre os países europeus num ranking sobre ambição em metas e medidas para cumprir o Acordo de Paris contra as alterações climáticas, sendo somente ultrapassado pela Suécia. O trabalho foi divulgado pela própria Zero, que integra a CAN-Europe, e lista nos primeiros lugares a Suécia (77%), Portugal (66%), França (65%), Holanda (58%) e Luxemburgo (56%), considerando que não há qualquer país a preencher os requisitos para ocupar o primeiro lugar, sendo que nenhum país é, ainda, 100% sustentável.

Relativamente ao uso de energias renováveis, segundo o mais recente estudo da União Europeia, Portugal é o terceiro país que mais utiliza estas energias, usando cerca de 54% diariamente. No entanto, não é o suficiente. Segundo o relatório da IPCC, num prazo de 12 anos será necessário atingir os ”85% de energias renováveis” e o estudo aponta para a necessidade de um investimento no valor de ”2 mil milhões de euros”. ”Não tenhamos dúvidas de que é preciso aproveitarmos uma fonte que é inesgotável. Em Portugal, isso é crucial porque na nossa electricidade, menos de 2% é proveniente do solar e nós somos dos países que tem maior número de horas de sol, portanto, sem duvida aqui há uma grande oportunidade para investimento”, refere Francisco Ferreira.

 

Nobel da Economia a favor do Ambiente

O prémio Nobel da Economia foi atribuído esta segunda-feira, 8 de outubro, a dois norte-americanos, um deles por associar as alterações climáticas ao comportamento da economia. Fancisco Ferreira aplaudiu a escolha para os premiados referindo que ”um dos prémios Nobel de Economia mostrou como uma taxa de carbono pode ser determinante na luta contra as alterações climáticas. Em Portugal isso já está a acontecer. A Central de Carvão em Sines vai antecipar o seu período de vida à custa dessa taxa de carbono. Temos de dar sinais na economia e explicar esse sinais a todos.”

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