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Presidente dos Politécnicos: “Atrair mais alunos do profissional para o superior é o grande desafio”

As verbas para o ensino superior terão que ser aumentadas em, pelo menos, 50 milhões, já no próximo Orçamento de Estado, defende o presidente dos Politécnicos em entrevista ao Educação Internacional.
19 Novembro 2019, 10h00

O Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos, a que preside Pedro Dominguinhos, lançou em julho o documento “Ensino Superior para Todos”, uma espécie de caderno de encargos para a próxima legislatura. O Educação Internacional quis saber mais detalhes sobre duas medidas em particular: acção social e financiamento.

 

Que tipo de medidas estão plasmadas no documento?
O Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP) produziu um documento que é, sobretudo, uma reflexão aprofundada sobre o estado do ensino superior. Há medidas relacionadas com o funcionamento das instituições, com o seu financiamento e medidas relacionadas com uma parte mais estratégica e de afirmação dos politécnicos.

 

Vamos focar-nos no financiamento do setor. Como avalia o mesmo?
Hoje em dia, o financiamento existente está aquém da média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). O próprio relatório da OCDE o reconhece. Além disso, no ensino superior o financiamento por aluno está abaixo do que é dado aos alunos do ensino secundário e que é manifestamente insuficiente para fazermos face a todos os desafios. No dia da minha tomada de posse enquanto presidente do CCISP, o ministro Manuel Heitor disse que com o dinheiro que têm os politécnicos fazem milagres, e é verdade. Razões pelas quais, para nós, assume particular relevância a necessidade de aumentar o financiamento do ensino superior.

 

Que montante atribui o Estado ao ensino superior?
Globalmente, o ensino superior – e excluo a ciência – tem um financiamento na ordem dos 1.100 milhões de euros. É importante não esquecer que nos últimos anos os acréscimos consagrados no Orçamento do Estado se destinaram, sobretudo, a responder ao acréscimo das valorizações remuneratórias e das reposições salariais dos programas de resolução da precariedade. Houve mais dinheiro, mas para fazer face ao aumento das despesas que cada uma das instituições teve e, mesmo assim, foi insuficiente. Do ponto de vista de dinheiro novo, não houve entradas no sistema.

 

Quanto vai ser necessário este ano?
É fundamental haver um reforço do Orçamento do Estado de 2020. Há quem fale em 3%, nós no CCISP avaliamos em 50 milhões de euros o aumento necessário. No cômputo global do Orçamento do Estado, 50 milhões a mais é uma pequena gota de água, mas que ao ensino superior permitirão reforçar a capacidade de resposta aos desafios que se nos colocam, quer os desafios decorrentes da investigação quer os relacionados com a internacionalização e a inovação pedagógica, tão necessária.

 

Que outras propostas figuram no documento do CCISP?
Uma segunda medida preconizada no documento, e que lhe dá élan, é a necessidade de termos “um ensino superior para todos”, o que obriga a mais ação social. Ou seja, precisamos que mais estudantes possam beneficiar das medidas de apoio, sejam bolsas, alojamento ou alimentação. Há também todo um outro conjunto de medidas de ação social indireta que são fundamentais e que é importante não esquecer.

 

No fundo, o que quer dizer é que a batalha do futuro se joga no ensino superior…
Exatamente, não podemos desperdiçar talento para ir engrossar o grupo dos chamados “nem-nem”, jovens que não estudam nem trabalham, nem o grupo daqueles que por falta de qualificações não poderão aspirar a mais do que um salário de 600 ou 700 euros. Os dados estatísticos demonstram que quanto maior é a qualificação, maior é o salário e que, à medida que vamos progredindo no mercado de trabalho o diferencial tende a aumentar. Por outro lado, se não tivermos pessoas qualificadas não conseguimos dar resposta aos desafios da sociedade. Mais. Existe uma meta que o governo português se propôs alcançar que é a de ter 60% dos jovens no ensino superior. Atualmente, ronda os 50%.

 

Quem fica de fora?
Maioritariamente os alunos do ensino secundário profissional. Apenas 20% chega ao ensino superior. E os que chegam fazem-no através dos Cursos Técnico Superiores Profissionais (CTSP), o que tem sido muito importante, mas não basta, o volume de estudantes é ainda insuficiente. Durante a próxima legislatura temos que ter a capacidade para envolver e atrair mais estudantes do ensino secundário profissional para o ensino superior, seja através dos CTSP seja por via das licenciaturas. Para mim, é aqui que está a grande questão para resolver na próxima legislatura.

 

O programa do Governo, aprovado em Conselho de Ministros e apresentado na Assembleia da República, consagra a ação social como prioridade. Em contrapartida esqueceu as propinas. Concorda?
Estou de acordo, na medida em que era necessário uma escolha e foi definida como prioridade o reforço da ação social. Houve uma redução das propinas este ano, foi importante, mas as propinas na maior parte dos casos não representam a maior fatia das despesas dos estudantes. Se estivermos a falar das grandes cidades, é o alojamento que consome uma parte significativa do orçamento dos alunos deslocados. A ação social desempenha um papel fundamental se quisermos trazer mais alunos para o ensino superior, logo precisamos aumentar a capacidade das bolsas.

Em que medida?
Precisamos ter mais estudantes a receber bolsas, e precisamos igualmente, dentro das disponibilidades, aumentar o valor das bolsas.

Quem paga as bolsas? De onde vem o dinheiro?
Há uma dependência dos fundos europeus. A maior parte das bolsas – 70% – são custeadas por fundos europeus. Houve um aumento importante do número de bolseiros nos últimos anos, mas temos hoje menos bolseiros do que em 2010.

No âmbito das bolsas, que medidas propõe o CCISP?
Seria importante subir o limiar mínimo de forma a abranger mais famílias com rendimentos relativamente baixos que ficam de fora. E depois não é só a bolsa tout court, as bolsas têm impacto, por exemplo, no alojamento e noutras coisas. O aluno bolseiro tem acesso a determinado tipo de programas que as próprias instituições foram criando ao longo dos anos para dar resposta à necessidade de integrar cada vez mais esses mesmos estudantes. Portanto, há um impacto em cadeia. Torna-se fundamental aumentar a capacidade de ajudar mais estudantes para poderem continuar e manter-se no ensino superior.

 

Só os bolseiros têm acesso às residências?
Não necessariamente, mas os bolseiros têm prioridade e pagam um valor mais baixo. Dou-lhe um exemplo: enquanto um bolseiro paga cerca de 75 euros por mês, um não bolseiro pode pagar desde 125 a 180. Na maior parte dos casos, as residências estão cheias e a prioridade é para os bolseiros. Nesta questão dos apoios, destaco algo muito positivo que é o crescimento do número de estudantes com necessidades educativas especiais que chegam ao ensino superior. Este ano tivemos quase 500 novos estudantes. Esta nova realidade cria, no entanto, uma pressão para as instituições, que é a costumização de programas de apoio.

Quem são os bolseiros?
Nos CTeSP, em que a maior parte são estudantes que provêm do ensino secundário profissional, a percentagem de bolseiros é de 27%. No ensino superior em geral é de 20%. Isto quer dizer que ao aumentarmos o acesso ao ensino superior estamos a trazer mais pessoas – e ainda bem – que do ponto de vista socioeconómico são mais frágeis. Portanto, precisam de mais apoio. Se queremos um verdadeiro estado social e se queremos promover a equidade, temos que ter a capacidade de colocar a ação social no ensino superior como prioridade nacional. Ou queremos mais ensino superior e ciência, ou não queremos. A única coisa que eu sei é que se não tivermos mais ensino superior e ciência de qualidade, o nosso futuro vai ser pior do que aquilo que é hoje. Do ponto de vista da decisão política a questão é fazermos disto uma verdadeira prioridade.

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