O programa certo, pessoas certas, lugares certos

A procissão de corruptos, corruptores e de alegados corruptos e corruptores não termina. É uma dança horrenda de rasquice, miserabilismo, avidez, ganância, cupidez e estupidez. Pessoas que se locupletam com dinheiro dos contribuintes, de aforradores ou investidores para saírem da relativa miséria em que nasceram, desde logo a miséria moral, incapazes de ganhar dinheiro, muito dinheiro, com outra iniciativa que não seja a do negócio sujo, ilegal, em detrimento do país, das empresas, dos investidores e das pessoas.

Não vejo maior rasquice que isto. A “geração rasca”, sentença cunhada por Vicente Jorge Silva no Público, para adjetivar os estudantes de 1994 porque usavam “expressões de má-criação, estupidez e alarvidade” em manifestações contra a ministra da Educação em protesto contra as provas globais no Ensino Secundário, até parece inocente perante a hecatombe a que estamos a assistir sentados no sofá em frente da TV, agora não de jovens imberbes, mas de adultos aldrabões.

A normalização da prática de corrupção resultante da cobertura mediática barata que proporciona – advogados, arguidos, comentadores, toda a parafernália judicial – é perigosa para a democracia.

A estupefação é notória. O país parece anestesiado, inerte perante o desmantelamento, a corrosão da nossa democracia liberal, sem noção do mundo perigoso, interno e externo, em que vivemos como há dias o antigo político António Pires de Lima chamou a atenção numa grande entrevista à RTP.

Na última crónica, relembrei o “sistema” inventado por Salazar para manter o povo na ordem, um “sistema” “que impusesse disciplina, mas sem violência e excessos e sem provocar as pessoas”. E também Fernando Pessoa sobre as forças progressivas e as da estagnação – quando a rutura de equilíbrio se dá pelo predomínio excessivo da força conservadora, dá-se uma estagnação.

Há dias, Maria Helena Evangelista recordou o demolidor Guerra Junqueiro no escrito “Pátria”, de 1896, e que aqui retomo e que só nos pode encher de vergonha do Portugal de há cem anos:

“Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta.

“Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não discriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro.”

E o texto de Guerra Junqueiro prossegue com acusações aos partidos, ao parlamento, ao executivo.

Felizmente, hoje, os infratores, pelo menos alguns deles, vão sendo apanhados pela Justiça, pilar fundamental do Estado democrático, que apesar de lenta, vai funcionando, graças a pessoas honestas, à tecnologia e à União Europeia. Mas, os processos, os julgamentos, as muito tardias condenações, quando existem, isso é consolo e remédio? O mal feito será alguma vez reparado para não dizer ressarcido?

Não somos os únicos distraídos. No mês passado, Sir Tony Radakin, Chief of Defence Staff das Forças Armadas britânicas, afirmou que “vivemos em tempos extraordinariamente perigosos” e perguntou: “Está a maquinaria e o pensamento nas profundezas (deep within) do Estado britânico verdadeiramente calibrada para crescer (to scale) perante o que está a acontecer?”

Entre as preocupações do almirante e da generalidade dos chefes militares está a desmesurada redução dos efetivos das forças armadas. Todos os soldados de todos os ramos do exército britânico cabem hoje no estádio da Luz. E a mesma de miniaturização das forças armadas iniciada com a queda do Muro, ocorre na Alemanha e outros países europeus.

Não queremos, não podemos, não iremos voltar a 1896, mas faríamos bem em regressar a 1979, 1987, 1991, 2002, 2011, aos governos de Francisco Sá Carneiro, Francisco Pinto Balsemão, Aníbal Cavaco Silva, José Manuel Durão Barroso, Pedro Santana Lopes, Pedro Passos Coelho. É preciso que a política estabilize e que voltemos a esses tempos de crescimento económico e progresso social.

A nova Aliança Democrática, liderada por Luís Montenegro, propõe-se continuar com audácia e determinação o trabalho dos seus antecessores e cumprir o objetivo de arrancar os portugueses da estagnação, do progressivo empobrecimento, da emigração.

Para alcançar esse objetivo, tem de convencer os portugueses que os tempos que vivemos são perigosos e muito incertos, que não podemos andar distraídos e tolerar mais desmandos, que a AD tem não apenas o programa certo e necessário, mas também um punhado de pessoas certas, honestas e credíveis nos lugares certos para o por em eficazmente em prática. Precisa persuadir os portugueses que é do seu interesse estarem unidos à volta da ideia de progresso e de que somos capazes. E também que será implacável com a corrupção, seja quem for.