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Austeridade silenciosa

Apesar dos progressos, a economia portuguesa não ganhou, nos últimos anos, suficiente resiliência para enfrentar um potencial ciclo de subida de taxas de juro.
11 Janeiro 2019, 07h55

Longe da vista, longe do coração. Este provérbio poderia ser o epíteto das medidas de política orçamental do atual executivo desde que tomou posse, e que permite manter uma narrativa anti-austeridade para o público, ao mesmo tempo que mantém a carga fiscal em níveis historicamente elevados, que permite o aparente caminho de consolidação orçamental em linha com os objetivos traçados com Bruxelas.

Na verdade, o suposto milagre orçamental tem muito de ilusão, e foi conseguido em grande parte à custa do aumento dos impostos (a carga fiscal encontra-se em máximos de 22 anos) e não tanto por via do crescimento da economia. Mas este aumento dos impostos fez-se através de um habilidoso aumento da carga proveniente dos impostos indirectos, que aumentaram cerca de 20% desde 2015. Mas o desconforto na qualidade de vida dos contribuintes existe, apenas disfarçado pelo aumento da concessão de crédito ao consumo e pelas taxas de juro extremamente baixas. Mas quando as taxas subirem, como será a vida das famílias? E do Estado?

Numa primeira análise, esta espécie de jogo de lego – trocando a carga de impostos mais visível e direta pela componente indireta – pode levar a considerar esta última como a famosa austeridade benigna, sem dor, uma vez que não se vê diretamente no recibo de ordenado. A realidade é um pouco distinta. Em primeiro lugar, porque os impostos indiretos não pagam apenas quem quer. A menos que as famílias reduzam significativamente os seus níveis de consumo e padrões de investimento no imobiliário, os impostos indiretos continuarão a ter um impacto real e significativo nas vidas diárias dos portugueses.

Os impostos indiretos são, na realidade, uma espécie de assassino silencioso do poder de compra real das famílias, que criam o desconforto da perda de rendimento, mas com menor perceção por parte dos consumidores de que é por via do aumento da tributação que essa redução acontece. Mas que politicamente serve que nem uma luva ao argumento do fim da austeridade, ou da austeridade compatível com a alegada “devolução de rendimentos”, que mais não é que o efeito de substituição pela austeridade visível, e outra, menos visível.

Outro equívoco é a generalização da ideia que existe um milagre orçamental sem austeridade, e que é consequente e consequência para a economia portuguesa. Essa não é a realidade. Na verdade, muitos dos problemas da economia portuguesa mantêm-se patentes. A atividade económica cresce muito abaixo da média europeia, e deverá continuar a evoluir de forma muito anémica – o Banco de Portugal estima que o PIB cresça 1,9% em 2019 e 1,7% em 2020 –, enquanto o investimento deverá continuar em níveis historicamente baixos (em torno dos 5,5% do PIB), sobretudo os níveis de endividamento público (atingiu um novo máximo em outubro, de 251,1 mil milhões de euros, cerca de 126% do PIB) e das famílias (70% do PIB), que se encontram ainda em níveis muito exigentes.

Com o fim dos estímulos do BCE e uma maior normalização da política monetária, as taxas de juro e os prémios de risco serão tendencialmente mais altos no mercado financeiro, sobretudo para o esforço financeiro das famílias. A alternativa terá de vir do crescimento económico, que, como já se viu, deverá ser pouco significativo nos próximos anos.

Isto significa que a economia portuguesa, apesar dos progressos, não ganhou, nos últimos anos, suficiente resiliência para enfrentar um potencial ciclo de subida de taxas de juro. Ao contrário daquela que é a narrativa política, a consolidação fiscal foi realizada em cima de mais austeridade (por via indireta), acompanhada pela redução do ímpeto reformista, e sobretudo pela acentuada quebra do investimento público – que terá impacto no potencial de crescimento económico dos próximos anos, se nada acontecer.

Esta austeridade, uma espécie de assassino silencioso do poder de compra dos portugueses, pode não estar no recibo de vencimento, mas existe, é incontornável. O resultado destas políticas poderá bem passar pela estagnação da economia nacional, sem crescimento, e com um risco elevado de perda de rendimentos reais associado à subida dos juros na zona euro e às condicionantes geopolíticas europeias.

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