Já houve “contactos preliminares” entre Lisboa e Rabat sobre a auto-estrada de eletricidade entre Portugal e Marrocos. Para já, o projeto não está a ser analisado, mas a tutela liderada por Maria da Graça Carvalho admite a possibilidade de vir a estudar a ligação com o reino de Maomé VI.
“Houve contactos preliminares com Marrocos”, disse fonte oficial do ministério do Ambiente e da Energia ao Jornal Económico.
“Esta possibilidade poderá vir a ser estudada, mas neste momento, não está em cima da mesa”, acrescentou a Rua do Século, apontando para a complexidade e custos do projeto.
Esta auto-estrada de eletricidade entre Portugal e Marrocos tem um custo total de 650 milhões de euros a dividir pelos dois países: a fatia lusa atinge os 325 milhões de euros. Esta é a conclusão de um estudo divulgado em 2022 pelo MED-TSO, a associação que junta os operadores das redes de transporte de eletricidade do Mediterrâneo.
Um projeto deste tipo poderia ter parte do seu custo suportado por fundos europeus, mas uma parte seria sempre paga pelos consumidores de eletricidade via fatura mensal.
Entre os peritos consultados pelo JE, uma das mais-valias apontadas deste projeto é a robustez adicional que daria à rede elétrica. “O reforço das interligações só viria robustecer o sistema ibérico que é operado quase em ilha. Viria fornecer muita robustez”, disse ao JE João Peças Lopes, especialista em energia do INESC-TEC.
O cabo tem uma distância de 220 km entre as subestações de Tavira em Portugal e de B. Harchan em Marrocos, com uma capacidade de 1.000 megawatts.
A única fronteira energética que Portugal tem é com Espanha e o apagão ibérico de 28 de abril demonstrou os riscos que é estar ligado apenas a outro país.
“Se não tivéssemos limites aos recursos financeiros ou tivéssemos a justa repartição de apoios, do ponto de vista a nível europeu, poderia fazer todo o sentido Portugal ter uma ligação própria com Marrocos e não ter apenas uma interligação com Espanha”, disse ao JE Duarte Cordeiro, ex-ministro do Ambiente.
“Podia ser um projeto estratégico para o futuro”, depois da guerra da Ucrânia que demonstrou a dependência europeia da energia russo, destacou o agora consultor que considera que o projeto terá sempre de ser feito “num contexto de reforço de interligações a nível europeu”.
Mas os custos elevados do projeto, cuja parte iria ao bolso dos consumidores, levanta dúvidas sobre a sua viabilidade entre os especialistas. Por outro lado, existem muitas dúvidas entre os peritos se esta interligação conseguiria travar o apagão de 28 de abril.
Para Nuno Ribeiro da Silva, ex-líder da Endesa Portugal, a interligação direta “não tem racional”, apontando que “ficaria “muitíssimo caro. Há que ver quem é que financiava, porque ao fim do dia vai à tarifa, é pago pelos consumidores”.
“Numa situação de escassez, de colapso do sistema, o cabo não nos dá qualquer garantia que fosse alternativa suficiente para suportar e aguentar um colapso do nosso sistema ibérico”, segundo o ex-secretário de Estado. “Não é uma solução racional do ponto de vista económico, e que traga fiabilidade e resiliência ao sistema nacional”. Nuno Ribeiro da Silva defende antes o reforço ibérico da interligação com França. “Se fosse 3 a 4 vezes maior, se calhar o sistema ibérico não teria colapsado. Marrocos começou por desligar-se da interligação com Espanha para defender o sistema marroquino”, tendo depois dado um “sopro” com França para retomar o sistema espanhol.
O JE pediu também comentários à REN sobre o projeto, pois seria a empresa responsável pela construção e operação do cabo submarino do lado português, mas não obteve resposta.
António Sá da Costa aponta que a interligação seria uma “segurança adicional”, mas este é um projeto “caro de executar”, devido à distância e profundidade entre a costa de Marrocos e de Portugal. Apontou que já existe uma interligação entre Espanha e Marrocos. “Estes projetos só são exequíveis se forem viáveis economicamente”, disse o perito.
Também o líder da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN) rejeita esta interligação é dá a sua solução para aumentar a resiliência da rede: “temos que aumentar a incorporação das renováveis, aumentar as interligações com a Europa, reforçar a modernização da rede elétrica e aumentar as centrais com black start”, segundo Pedro Amaral Jorge.
Analisando o projeto, o ex-presidente do regulador ERSE, Jorge Vasconcelos, considera que, como ainda não são conhecidas as causas do apagão, é “difícil dizer o que ajudaria ou não”. “Em abstrato, a capacidade de interligação, sim, facilita a estabilidade, mas também pode ser mais uma fonte de propagação” de disrupções.
“Queremos um sistema elétrico que seja um Rolls Royce? Um BMW? Ou um Volkswagen? Quanto dinheiro querem gastar para ser pago em tarifas? Tudo tem um custo”, afirmou sobre o debate que pode vir agora a ter lugar, defendendo uma maior digitalização para reforçar a resistência do sistema elétrico.
Por sua vez, o ex-secretário de Estado da Energia, João Galamba, considera que os custos do projeto já deverão ter disparado face ao estudo, devido à inflação. O agora consultor lidou com o projeto durante o seu mandato na Rua do Século e recordou ao JE que quando assumiu a pasta da Energia já tinha sido encomendado um estudo sobre a viabilidade do projeto, mas que nunca foi concluído por ter demorado muito tempo devido a problemas nas partilhas de dados entre as várias entidades envolvidas, em particular a relutância do lado espanhol.
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