A Ordem dos Engenheiros (OE) detetou quatro falhas estruturais no sistema de gestão da bacia hidrográfica do rio Mondego, que entrou em rotura no início desta semana, provocando cheias que foram mais sentidas no concelho de Montemor-o-Velho.
Numa conferência de imprensa realizada ontem, dia 27 de dezembro, dois responsáveis da Ordem dos Engenheiros da região Centro, Armando Silva Afonso e Alfeu Sá Marques, elencaram os quatro pecados capitais que, no seu entender, têm originado inundações ribeirinhas frequentes no Baixo Mondego.
Segundo estes responsáveis da Ordem dos Engenheiros, as falhas passam pela inexistência de uma barragem a montante da barragem da Aguieira, pela ausência de gestão da bacia do rio Ceira, pelo funcionamento deficiente do sistema de elevação de afluentes de um rio que desagua no Mondego e pela ausência de um sistema de gestão de toda a bacia hidrográfica do rio Mondego, que possibilite a sua correta e atempada manutenção.
A barragem a montante da Aguieira esteve prevista, designa-se barragem de Girabolhos, localiza-se no concelho de Seia. Começou a ser construída em 2015, mas foi suspensa em 2016, depois de a respetiva concessionária, a Endesa, ter investido cerca de 60 milhões de euros neste projeto.
No caso do sistema de bombagem de um dos afluentes do rio Mondego, esteve previsto um total de seis bombas a funcionar, mas só foram montadas duas. Destas, só uma é que está neste momento a funcionar.
Os responsáveis da Ordem dos Engenheiros criticam ainda o fato de não existir um sistema de gestão da bacia hidrográfica do rio Ceira, além de nunca ter sido adoptado um modelo integrado de gestão da bacia hidrográfica do rio Mondego, equivalente ao que existe no Alqueva, que integra representantes dos municípios, da EDP, dos agricultores e da indústria.
Sobre o rio Ceira, o Ministério do Ambiente, assinou, no passado dia 18 de dezembro, o contrato do projeto ‘Gestão da Bacia Hidrográfica do Rio Ceira face às Alterações Climáticas’, um projeto de investimento avaliado em cerca de 2,6 milhões de euros e apoiado pelo EEA Grants 2014-2021, mecanismo financeiro do Espaço Económico Europeu.
De acordo com uma nota do Ministério do Ambiente, este projeto “é baseado numa abordagem ambiental, visa consciencializar as populações locais para a mitigação e adaptação das suas atividades às alterações climáticas neste território”.
O projeto deverá demorar 36 meses a concretizar e será coordenado pela Região Hidrográfica do Centro da Agência Portuguesa do ambiente (APA), tendo como parceiros a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, os municípios de Arganil, Góis, Lousã e Pampilhosa da Serra e a Direção Norueguesa para a Proteção Civil.
“Com incidência nas componentes hidrológica, cultural e nos ecossistemas, o projeto pretende melhorar a resiliência e a capacidade de resposta às alterações climáticas”, explica a referida nota informativa do Ministério do Ambiente.
Já na passada segunda-feira, dia 23 de dezembro, a Ordem dos Engenheiros havia emitido um comunicado crítico sobre a situação existente na bacia hidrográfica do Baixo Mondego, na sequência das inundações da última semana, recordando que, na sequência do último evento de cheias, registado em janeiro de 2016, que originou a inundação da zona ribeirinha da cidade de Coimbra, “a OE foi convidada pelo Governo para liderar um estudo sobre as causas desse evento, o qual foi concluído e entregue aos respetivos destinatários, uma vez que visava o desassoreamento do espelho de água do rio Mondego em Coimbra, melhorando o escoamento e reduzindo a probabilidade de inundação das ocupações urbanas do rio, localizadas em leito de cheia”.
“Nesse estudo foi feito o repositório dos eventos anteriores e recordadas as suas razões, nomeadamente o caso das inundações de 2001, bem como a análise das causas e consequências do referido evento de janeiro de 2016”, adianta o referido comunicado.
De acordo com esse documento, “recentemente, a partir do dia 13 de dezembro, o país deparou-se com três eventos meteorológicos anormais e subsequentes, as depressões Daniel, Elsa e Fabien, que originaram elevados e prolongados níveis de precipitação que rapidamente empaparam solos desflorestados pelos incêndios, provocando o aumento da velocidade e tempos de concentração das afluências”.
“Estes eventos, que afetaram cidades, populações, rodovias e ferrovia e que paralisaram parcialmente o país e a economia, tiveram particular gravidade na bacia hidrográfica do rio Mondego, onde originaram a rotura de diques e inundações nas habituais zonas urbanas e agrícolas”, assinala a OE.
O comunicado em questão acrescenta que “o empreendimento de fins múltiplos do Baixo Mondego (EFMBM) foi criado para o controle das cheias que sempre ocorreram e afetaram Coimbra e o Vale do Mondego e para outros importantes fins, tais como a agricultura, a produção de energia, o abastecimento de água à indústria, às populações, à aquacultura e à criação de um espelho de água na frente ribeirinha de Coimbra”.
“Para o controle de cheias foram construídas as barragens da Aguieira e Raiva (no Mondego) e a barragem de Fronhas (no rio Alva), que descarrega a jusante da Raiva, sendo que a única que tem capacidade para fazer uma significativa laminagem dos caudais é a barragem da Aguieira”, defende o comunicado, que aponta: “encontra-se por controlar o rio Ceira que tem tido contribuições muito significativas, sendo que no vale do Mondego foram feitas algumas obras de regularização em outros afluentes, caso do rio Arunca, faltando ainda construir algumas delas”.
“Neste contexto, um dos afluentes que, com a artificialização, passou a afluir ao novo leito do Rio Mondego abaixo da respetiva cota, teve de passar a ser bombado através de uma central onde estavam previstas seis bombas de grande potência e débito, que nunca foram instaladas na totalidade e onde hoje apenas uma está em funcionamento”, denunciava a OE, resumindo que “continuamos, pois, perante uma obra inacabada, que foi concebida para funcionar no seu todo e que urge concluir ou, no limite, revisitar a sua conceção”.
A OE considera também que “o importante é que desde há décadas que está por criar um modelo de gestão deste empreendimento, o que leva a que muitos usufruam e pouco contribuam para a sua conclusão, manutenção, busca de investimentos e demais responsabilidades, que hoje se encontram a cargo da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), que sucedeu ao Instituto da Água (INAG)”.
“Por isso, naturalmente as culpas recaem sempre sobre o mesmo, não interessando questionar as causas, independentemente da escassez de meios financeiros e humanos que se agudizou na última década”, acusa a OE, defendendo que, “tal como aconteceu no Alqueva, a criação de uma unidade gestora é crucial para assegurar a gestão, a conclusão, a monitorização, a manutenção e a defesa dos interesses dos diversos ‘stakeholders’, a partir obviamente da definição de um modelo de calendarização e financiamento sustentável”.
“Este é um aspeto que defendemos desde sempre mas que, por motivos facilmente percetíveis, nem sequer tem merecido qualquer discussão por parte dos potenciais interessados. Por isso, apontar o dedo à falta de manutenção é apontar o dedo à incúria do Estado que não canaliza os impostos dos contribuintes nacionais para apoio aos beneficiários locais, o que não deixa de ser uma boa questão”, avança a OE.
O comunicado da Ordem dos Engenheiros refere que, “desta vez, tanto quanto nos foi explicado, foram respeitadas as normas de exploração da barragem da Aguieira e demais represas a cargo da EDP, em articulação com a APA, mas os caudais afluentes ao Açude Ponte excederam a sua capacidade, aos quais foram acrescidas as afluências de jusante com origem nos afluentes do Vale do Mondego”.
“A falsa sensação de que o sistema de diques que materializou a artificialização do leito natural do Mondego pode garantir ilimitadamente a segurança das povoações e bens ribeirinhos tem sido ciclicamente posta em causa, por razões sobejamente conhecidas e que interessam resolver”, avisa a OE.
“A Ordem dos Engenheiros não tem como missão julgar ou procurar responsáveis, mas sim contribuir para que seja encontrada a melhor solução técnica para perenidade funcional das infraestruturas do país e, no caso, do empreendimento de fins múltiplos do Baixo Mondego”, assume o referido comunicado, recordando que, “nos últimos dez anos o desinvestimento na manutenção das infraestruturas do país só podia conduzir a situações desta natureza e que a redução e desvalorização do papel dos engenheiros e da engenharia na administração só enfraquece o próprio Estado”.
A OE finaliza o referido comunicado disponibilizando-se para “o apoio que nos entendam solicitar”.
A região do Baixo Mondego será hoje visitada pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, acompanhado pelo ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes.
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