O que me entristeceu na apresentação do livro “Identidade e Família” não foi a coleção de gente ortodoxa de pensamento único a queixar-se da ortodoxia do pensamento único.

O que me surpreendeu nem sequer foi a sucessão de textos profundamente misóginos sobre o papel da mulher, do valor do trabalho, da sexualidade e até da possibilidade de algumas minorias poderem perseguir a felicidade.

O que me agitou não foi a presença estratégica de Passos Coelho e a Buchholz transformada numa residência de saudosos da Mocidade Portuguesa a rezar pelo regresso de um Darth Vader que limpe o universo de todas as abominações.

Nada disso me entristeceu, surpreendeu ou agitou. Tudo isso dou de barato. Faz parte do combate ideológico, não deve ser ingénuo o timing e a proximidade com os 50 anos do 25 de Abril, como não é certamente por acaso que tenha sido Pedro Passos Coelho a apresentá-lo perante o êxtase do seu acólito, André Ventura.

O que em mim teve esse efeito foi ver António Bagão Félix como um dos coordenadores deste manual de regresso à “outra senhora”. Vê-lo a assinar um livro com Paulo Otero, Pedro Afonso e Victor Gil. Vê-lo à direita de Passos, a sufragar todas aquelas ideias que envergonham, que amedrontam, que são lúgubres e pintadas da cor das trevas.

Gosto muito de António Bagão Félix. É um prazer ouvi-lo, estar com ele, trocar impressões. O António que eu conheço gosta de árvores, sabe tudo sobre elas e acerca das suas diferenças. Sabe quais dão fruto e as que são secas.

O António que eu conheço toca percussão, é ator em filmes de amigos, lê sobre a alma humana desde que se conhece, almoça e jantar com gente diferente, de esquerda e direita, com muitos filhos ou nenhum, héteros ou homossexuais, ateus ou como ele católicos, benfiquistas ou não.

O António que eu conheço conta anedotas anticlericais, faz rir comunistas e democratas-cristãos, faz pontes entre franciscanos, jesuítas e a “obra de Deus”.

Como é possível, António?

Acha mesmo necessário passar para o lado dos que não têm sentido de humor? Para os que se levam tanto a sério? Para os radicais do pensamento único? Terá que me explicar como se eu fosse uma árvore.