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Banco de Portugal arrisca pagar a todos os lesados do BES após derrota no Supremo

Credores internacionais e a massa insolvente da ESFG recorreram da sentença que considerou legal a resolução, e insistem que directiva europeia foi violada. BdP arrisca indemnizar todos os lesados.
31 Janeiro 2020, 15h31

O Supremo Tribunal Administrativo (STA) decidiu remeter a decisão sobre a legalidade da resolução do BES para o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) na sequência de recursos de um grupo de 17 investidores internacionais nomeadamente norte-americanos, que investiram em produtos do banco, e da massa insolvente Espírito Santo Financial Group (ESFG), ‘holding’ que controlava a maioria do capital do BES.

No acórdão, datado de 23 de janeiro, a que o JE teve acesso, o STA considera que estão em causa questões europeias como a omissão no Decreto Lei da resolução do BES de artigos previstos na directiva sobre resoluções bancárias (DRRB) que não foram integralmente transpostas por Portugal. Em causa está a realização de uma avaliação justa do banco que deveria ser feita antes da medida de resolução e o pagamento de uma contrapartida ao BES que iria reverter na insolvência a favor dos credores.

“Julgam-se reunidos nos autos os pressupostos formais para efeitos de prosseguir e determinar da realização de pedido de reenvio prejudicial”, lê-se no acórdão do STA, dando conta de que “no contexto do litígio e das posições sustentadas pelas partes intervenientes importa apurar e determinar da conformidade com o direito da União supra convocado e daquilo que constitui a jurisprudência do TJUE”.

O Supremo realça aqui que enquanto transposição parcial da Diretiva 2014/59/UE (das resoluções bancárias), importa esclarecer “se a adoção das disposições nos termos em que se mostra feita através do DL n.° 114-A/2014 [que fixa as regras da resolução das instituições de crédito em Portugal] é suscetível de comprometer seriamente o resultado prescrito pela referida Diretiva”.

O STA sustenta a decisão de reenvio da decisão sobre a resolução do BES para o TJUE com base no artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da UE, que obriga que os órgãos jurisdicionais dos países da UE devem submeter ao TJUE uma decisão prejudicial. Isto é, nos casos em que a interpretação ou a validade de um direito da UE esteja em causa e seja necessária ao julgamento da causa por um tribunal nacional ou sempre que as decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno. Este era o caso destes dois recursos que já tinham chegado ao Supremo depois da sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa (TAL) ter concluído que a decisão do Banco de Portugal (BdP) de resolver o BES foi legal, constitucional e que era inevitável.

Nestes recursos, os acionistas e credores do BES apontavam para uma série de inconstitucionalidades ao regime jurídico da resolucão sobre o BES, entre eles a violação da reserva legislativa do Parlamento e a violacao do direito de propriedade privada e dos princípios da igualdade e da justa indemnização.

Também alegavam a violação dos princípios da boa-fé, da proteção da confiança e da proporcionalidade, bem como várias outras disposições do Direito Europeu. Por isso pediam a nulidade da deliberação do BdP que resultou na criação do Novo Banco (o banco “bom”) e na separação dos ativos e passivos do BES.

Diretiva transposta parcialmente
Entre os autores estão credores subordinados do BES, hedge funds e outros titulares de obrigações subordinadas, representados pelo escritório de advogados Vieira & Associados, e a massa insolvente do ESFG, cuja defesa é representada pela PLMJ e argumenta no recurso que as regras da directiva DRBB foram transpostas parcialmente para a legislação que serviu de suporte à resolução do BES em agosto de 2014, dado que as regras europeias prevêem, nestes casos, “a realização de uma avaliação justa, prudente e realista dos ativos e dos passivos da instituição objeto da medida de resolução em momento prévio à sua adoção”.

Uma avaliação que só se realizou depois do BES resolvido, em março de 2015 no âmbito da auditoria forense realizada pela Deloitte que concluiu por atos de gestão ruinosos e fez uma primeira avaliação dos ativos e passivos do banco.

Já em 2016, a avaliação independente, também feita pela Deloitte ao cenário de liquidação do BES (em alternativa à medida de resolução que foi aplicada), concluiu que os credores comuns recuperariam 31,7% dos seus créditos. Desta forma, o Fundo de Resolução poderá ter de compensar estes investidores, onde se incluem os detentores de papel comercial. A Deloitte estimou que a recuperação de créditos sobre a insolvência ascenderia a 60.017 milhões de euros, dos quais 51% corresponderiam a créditos privilegiados e garantidos, que assim teriam um nível de recuperação de 100%.

Outro dos argumentos da defesa da massa falida da ESFG incide no facto de a legislação da resolução do BES não ter previsto o pagamento de uma eventual contrapartida, em função da avaliação mencionada, à instituição objeto de resolução ou, consoante o caso, aos titulares das ações ou de outros instrumentos de propriedade e que, em lugar disso, se limitou a prever que o eventual remanescente do produto da alienação do banco de transição deve ser devolvido à instituição de crédito originária ou à sua massa insolvente.

Recorde-se aqui que na legislação da resolução do Banif esta contrapartida já passou a estar prevista, tal como fixa a directiva DRBB, com a emissão de 745 milhões de euros de obrigações garantidas pelo Estado.

BdP arrisca a pagar indemnização a todos os lesados
O BdP arrisca a pagar uma indeminização a todos os lesados do BES caso o TJUE venha a considerar nula a deliberação da resolução. O risco é sinalizado por Nuno Vieira, advogado do grupo de 17 obrigacionistas subordinados que incluiu uma das maiores gestoras de ativos da América Latina, fundos de investimento internacionais e um gestor de fundos de pensões de funcionários públicos norte-americanos.

“Se me perguntar, o Banco de Portugal pode vir a ser chamado a indemnizar? A minha resposta só pode ser uma: o Banco de Portugal ainda não está livre de ter de o fazer”, defende Nuno Vieira.

Segundo este advogado, a ser considerada nula a deliberação do BdP, “é certo que o BES nunca poderá ser ressuscitado”. Além disso, diz, o BdP poderia, sempre, invocar o interesse público para manter os efeitos da resolução. “Mas isso não é gratuito. O Banco de Portugal poderia ser chamado a indemnizar todos aqueles que provassem ter sofrido lesões com a queda do BES”, explica, dando conta de que estão em causa lesados institucionais e não institucionais.

Realça que “é como numa expropriação. O Estado pode expropriar mas tem que pagar uma determinada compensação”, acrescentando que o STA “vem confirmar que a queda do BES não está bem contada e por essa razão pretende que o Tribunal de Justiça da União Europeia se pronuncie”. Nuno Vieira sinaliza: “é mais uma batalha que queremos travar e uma esperança para milhares de lesados que ainda não se conformaram com as suas perdas”.

O Jornal Económico pediu uma reação ao Banco de Portugal sobre a decisão do Supremo, mas até ao fecho da edição não obteve resposta.

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