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Bancos condenados a publicar decisão da juíza do Tribunal de Santarém pelo “efeito dissuasor”

A alegação da prescrição deverá ser uma das áreas a abordar nos recursos que os bancos agora condenados manifestaram intenção de apresentar.
23 Setembro 2024, 07h31

O Tribunal da Concorrência aplicou uma “Sanção Acessória” que consiste na obrigação de publicar, suportando os custos, no Diário da República e num jornal de grande circulação, o extrato da decisão de condenação ou, pelo menos, da parte decisória da decisão de condenação proferida no âmbito do processo conhecido como “cartel da banca”.

Na leitura da súmula da sentença desse processo, que decorreu esta sexta-feira no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém, a juíza Mariana Gomes Machado, para além de ter confirmado a multa de 225 milhões a 11 bancos acusados pela Autoridade da Concorrência em 2019, ainda aplicou aquilo a que chamou “Sanção Acessória para efeitos dissuasores”.

Trata-se então da publicação da parte decisória da condenação de que são alvo os bancos. “Em consequência, com exceção das Recorrentes Barclays e Montepio, vão as demais Recorrentes condenadas na sanção acessória de publicação, no Diário da República e num dos jornais de maior circulação nacional, a expensas das Visadas, de extrato da decisão de condenação ou, pelo menos, da parte decisória da decisão de condenação proferida no âmbito deste processo (ou de processo judicial que tenha origem neste processo), após o seu trânsito em julgado”, lê-se na súmula da sentença a que o Jornal Económico teve acesso.

Recurso e prescrição

A generalidade dos bancos já assumiu que irá recorrer da decisão do Tribunal da Concorrência para o Tribunal da Relação, o que compensa, quanto mais não seja porque o recurso garante que os prazos de prescrição vão ser ultrapassados.

A Caixa Geral de Depósitos, que sofreu a maior coima, de 82 milhões de euros, justifica-a com o facto de ter sido “apurada em função do seu volume de negócios” e não em função de uma “maior culpa”.

O BCP já assumiu que “irá recorrer daquela decisão” que o condena à segunda maior coima, de 60 milhões de euros. Um valor elevado, mas que ressalva não ser definitivo, tendo em conta que só terão de pagar se o tribunal de uma instância superior confirmar, ou se não vier a ficar prescrito. A prescrição parece o destino mais provável deste caso.

O único banco cotado em bolsa salientou que  “não antecipa que desta decisão judicial resulte um impacto materialmente relevante nas respetivas demonstrações financeiras e situação patrimonial”.

O BCP quis frisar ainda que “O banco reitera que, no seu entendimento, as informações que, no período relevante (2002-2013), foram partilhadas entre as instituições bancárias visadas, não tiveram nem propósito, nem um efeito adverso na concorrência entre aquelas instituições, não tendo sido provado no decurso deste julgamento que daquela troca de informações tenha resultado algum prejuízo patrimonial para os seus clientes”.

Também o Santander Totta comunicou ao mercado a decisão de recurso. O banco liderado por Pedro Castro e Almeida sublinhou serem factos “passados há mais de 12 anos”. Numa clara alusão à prescrição, que nestes processos ocorre ao fim de 10,5 anos.

O BPI oficializou a decisão de recorrer da sentença do Tribunal da Concorrência este sábado.

Em comunicado diz que “analisará em detalhe o teor da sentença do TCRS, após o que tenciona exercer os seus direitos de defesa neste processo, incluindo mediante a apresentação de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa”.

O BPI “reitera a sua convicção de que a legislação da concorrência não foi infringida e nenhum prejuízo foi causado aos clientes”.

O Banco  Montepio lembrou que a AdC lhe havia aplicado uma coima “no montante de 13 milhões de euros, de entre um montante total global de coimas aplicadas de 225 milhões de euros” e anunciou que apresentou recurso. O banco liderado por Pedro Leitão assegura que irá adotar “as medidas necessárias à defesa dos seus melhores interesses”.

O advogado do BBVA, Luís Pinto Morais, citado pela Lusa, considerou a decisão “surpreendente” e disse que o banco vai avaliar se recorre ou não, mas que “provavelmente sim”.

“Acho que essa é a tendência natural de todos os bancos sobre uma decisão que não tem muita adesão, não só à parte factual, à prova, como aos fundamentos jurídicos”, disse em declarações aos jornalistas à saída do tribunal, mas acrescentando que terá de analisar a sentença com detalhe.

Segundo o advogado, também não se entende “as coimas desmedidas”, e quando a “maioria das informações estava acessível a todos”. Considerou ainda que a troca de informações entre bancos não prejudicou clientes. “Não houve lesados”, vincou.

Após a leitura da súmula da sentença do processo conhecido como “cartel da banca”, que decorreu na sexta-feira no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém, a juíza Mariana Gomes Machado deu aos bancos um prazo de 20 dias (corridos) para recorrer.

O caso seguirá para o Tribunal da Relação de Lisboa e a Autoridade da Concorrência já mencionou que esta instância superior terá sempre de guiar-se pelo acórdão do tribunal europeu.

O Tribunal da Concorrência confirmou assim as coimas aplicadas em 2019 e condenou a Caixa Geral de Depósitos (CGD) ao pagamento de 82 milhões de euros, o Banco Comercial Português (BCP) uma coima de 60 milhões, o Santander Totta de 35,65 milhões, o BPI de 30 milhões, o Montepio de 13 milhões, o BBVA de 2,5 milhões, o BES de 700 mil euros, o Banco BIC (por factos praticados pelo BPN) em 500 mil euros, a Caixa Central de Crédito Agrícola em 350 mil euros e a Union de Créditos Inmobiliarios de 150 mil euros.

No caso do Santander Totta, a coima total inclui a multa de 650 mil euros aplicada ao Banco Popular, entretanto integrado no grupo Santander.

Já no caso do Banco Montepio, a coima aplicada da Autoridade da Concorrência foi de 26 mil euros, mas viu a sua multa reduzida para metade (13 milhões) por ter recorrido ao regime de clemência. No entanto não se livrou de críticas da juíza pela atuação que o banco que teve durante o processo.

O Barclays, que denunciou a prática e apresentou o pedido de clemência, não ficou obrigado ao pagamento de coima e teve apenas uma admoestação.

Juíza lança críticas à banca e até fala dos “lucros significativos”

O Tribunal da Concorrência considerou que “o conluio incluiu 80% dos operadores de mercado”.

A juíza Mariana Gomes Machado (sobrinha de Ana Gomes) na sua sentença, não poupou os bancos. Na  súmula da sentença do processo conhecido como “cartel da banca”, a juíza detalha que “a infração, no caso dos visados BPI, BCP, BES, Santander, Barclays, Montepio e CGD, perdurou por mais de uma década, o que acentua significativamente a censurabilidade da conduta”.

“Quanto às restantes, a participação perdurou no tempo em período inferior, mas continuam em causa período relevantes, superiores a 5 anos, com exceção da Recorrente UCI”, lê-se na súmula.

“A significativa duração da infração, bem como a concentração do mercado, agravam as necessidades de prevenção, geral e especial, aqui em causa, sob pena de o pagamento de uma coima se tornar acomodável e não dissuasor de (futuros) comportamentos ilícitos”, refere a sentença.

A juíza Mariana Gomes Machado, fala também da situação financeira dos bancos, que compara positivamente com a situação apurada à data da decisão administrativa (2019).

“Devidamente notificados para, querendo, atualizarem a sua concreta situação financeira apenas as Recorrentes BBVA, BCP, CMEG e UCI o fizeram”, sublinha a juíza.

“Não pode deixar de se sinalizar a antinomia comportamental das Recorrentes, dado que, no decurso do julgamento da matéria de facto, em período pós-pandemia, amiúde invocaram os desafios de rentabilidade que pretensamente enfrentavam, face ao regime especial de moratórias que então vigorara”, aponta a juíza Mariana Gomes Machado, na sua sentença.

“Presentemente, quando emergem factos públicos e notórios sobre a situação de particular rentabilidade financeira em que se encontram, entravaram o conhecimento concreto e detalhado das margens de rentabilidade financeira que dispõem” acrescenta a juíza.

A sentença destaca “os lucros significativos dos Bancos a operar em Portugal” que, diz a juíza, “são factos públicos e notórios  nos anos de 2023 e 2024, conduzindo o legislador a aprovar, logo em Julho de 2020 perante uma tendência consolidada de aumento da rentabilidade, um adicional de solidariedade sobre o setor bancário (OE de 2020, aprovado pela Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho)”, para concluir que “não sobreveio, pois, qualquer elemento factual que aponte no sentido da reapreciação, em sentido decrescente, da capacidade económica das Recorrentes”.

A título de curiosidade, o imposto citado pela juíza, foi criado especialmente para a banca na crise da pandemia Covid-19 (tem sido muito contestado pelo setor) mas já foi considerado inconstitucional em três acórdãos do Tribunal Constitucional deste ano.

No que toca ao comportamento das visadas na eliminação das práticas restritivas e na reparação dos prejuízos causados à concorrência “até à data de julgamento, não houve notícia de qualquer comportamento reparador”, aponta a juíza do Tribunal da Concorrência.

O que diz a juíza sobre a prescrição?

A alegação da prescrição deverá ser uma das áreas a abordar nos recursos que os bancos agora condenados manifestaram intenção de apresentar.

Alguns bancos alegaram que “se encontra integralmente decorrido o prazo máximo da prescrição”. Assentam na lei aplicável ao caso, e que diz que são sete anos e meio acrescido de três anos de suspensão para o recurso judicial (artigo nº 74 da Lei da Concorrência, antes da revisão de 2022). A este prazo é preciso ter em conta o período de 159 dias em que o prazo esteve suspenso por força da legislação de combate à pandemia de Covid-19.

A divergência sobre o prazo de prescrição entre os bancos e o Tribunal está relacionada com a decisão da própria juíza de ter decretado o congelamento dos prazos prescricionais quando, em 2022, pediu ajuda ao Tribunal de Justiça da União Europeia.

Em abril de 2022, a juíza Mariana Gomes Machado deu os factos da AdC como provados mas, ao mesmo tempo, decidiu suspender a instância e remeter ao TJUE para esclarecimentos, nomeadamente por não ter ficado provado se a troca de informação teve ou não efeito sobre os consumidores, pelo que o julgamento foi retomado após a decisão europeia. A juíza decidiu que não havia contabilização de prazos durante esse tempo.

Na súmula da sentença do processo conhecido como “cartel da banca”, sobre a questão da prescrição da responsabilidade contraordenacional das Recorrentes (os bancos), a juíza diz que “a apreciação da prescrição do procedimento contraordenacional aqui em causa demanda que se aprecie, de um lado, o reenvio prejudicial, como causa de suspensão da instância e do prazo de prescrição em curso; os diversos marcos de interrupção e suspensão da prescrição nos termos legalmente estabelecidos; e, finalmente, a aplicabilidade aos autos da nova normação introduzida no artigo 74.º, número 9 da Lei da Concorrência, pela Lei n.º 17/22, de 17 de Agosto”.

“Donde, durante o período de suspensão da instância resultante do reenvio prejudicial, isto é, entre 28 de Abril de 2022 e 12 de Agosto 2024, ocorreu a causa de suspensão da prescrição prevista no artigo 27.º, número 1, alínea a) e número 2 do mesmo preceito, ambos do
RGCO [Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas]. Consequentemente, nesta data, não se mostra prescrito o procedimento contraordenacional imputados às Recorrentes e nada obsta à apreciação do mérito da causa”, defende o Tribunal da Concorrência.

A juíza baseou-se na “nova causa de suspensão da prescrição introduzida pelo artigo 74.º, número 9 da Lei da Concorrência, na versão introduzida pela Lei n.º 17/22, de 17 de Agosto”, que diz que “a prescrição do procedimento por infração suspende-se pelo período de tempo em que a decisão da AdC for objeto de recurso judicial, incluindo recurso interlocutório ou recurso para o Tribunal Constitucional, sem qualquer limitação temporal”.

 

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