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Bancos perdem monopólio da banca de investimento

No M&A em terras nacionais, as “Big Four” e as boutiques concorrem com os bancos de investimento, que perderam a posição dominante de outrora.
  • Euro coins are seen in front of a displayed stock graph in this photo illustration taken in Zenica, Bosnia and Herzegovina, June 30, 2015. Picture taken on June 30, 2015. REUTERS/Dado Ruvic – GF10000145014
16 Março 2019, 11h00

O tempo das grandes transações, à escala internacional, no mercado português, já lá vai. Depois das privatizações das maiores empresas portuguesas, como foram os casos da EDP, da REN e da Fidelidade, as fusões e aquisições (M&A) em Portugal deixaram de ser suficientemente relevantes para atrair os principais bancos de investimento internacionais.

O mercado continua a ser dinâmico, mas os montantes envolvidos são modestos, quando comparados com outros mercados. O ano passado foi aquele “em que houve menos transações em termos de volume”, disse ao Jornal Económico Pedro Ortigão Correia, administrador do Bison Capital (grupo de Hong Kong que comprou o antigo Banif Investimento). “Houve mais operações no segmento mid-market, isto é, transações situadas entre os 20 milhões e os 150 milhões”.

Neste contexto, os grandes bancos de investimento nacionais – como o Millennium Investment Banking, o Caixa BI e o Haitong (ex-BESI), entre outros – continuam a desempenhar um papel preponderante nas transações de valor mais elevado, segundo os especialistas contatados pelo JE. Só que já não estão sózinhos nesse mercado, como acontecia até há poucos anos. Enfrentam a concorrência de boutiques altamente especializadas, que têm estruturas mais leves e conseguem prestar um serviço personalizado. O paradigma da atividade de M&A em Portugal está, por isso, a mudar. As mudanças ocorridas nos grandes bancos comerciais, que tiveram de se focar no negócio de retalho e encolher equipas, foram um importante catalizador desta nova realidade.

“Dantes, o mercado era dominado pelos bancos porque eram suportados pelos balanços dos bancos comerciais”, explicou Pedro Ortigão Correia.

Por outro lado, entraram em cena outros players, que têm estruturas capazes de dar resposta às necessidades das grandes empresas: as chamadas “Big Four” da consultoria e auditoria (Deloitte, PwC, EY e KPMG) apostam cada vez mais na assessoria financeira a operações de M&A.

Atualmente, “quem souber ‘fazer um fato à medida’ ganha o cliente”, garantiu ao JE Miguel Geraldes, partner da Optimal Investments, uma boutique financeira que presta serviços a empresas de vários setores de atividade.

Transferência de capital humano dos bancos para as boutiques

Com o incremento da eficiência dos bancos, operou-se uma transferência de capital humano com talento dos bancos de investimento para as boutiques. Desta forma, as boutiques, que têm estruturas mais ágeis conseguem dar um acompanhamento profissional para as operações de M&A de menor dimensão, tornando o negócio mais sustentável para todas as partes envolvidas, algo que não se verificava no passado.

A agilidade das boutiques dá-lhes a possibilidade de praticarem preços mais competitivos do que os bancos de investimento. “Há uma forte pressão no preço”, realçou o administrador do Byson Capital.

A própria evolução do setor bancário, aliada à economia nacional descapitalizada, ajudou à disseminação das boutiques. “Portugal não é um país onde haja muita liquidez e com a estrangulação da banca, os empresários estão mais abertos a partilhar risco e a procurar soluções de financiamento alternativo, como as fusões e aquisições”, salientou Carlos Carvalho, managing partner da Fingeste.

As fusões e aquisições trouxeram disciplina para a gestão das empresas nacionais. “Os bancos e as empresas estavam viciados nos empréstimos”, explicou Pedro Ortigão Correia. “Os bancos, porque concediam empréstimos com garantias reais e queriam valorizá-las”, enquanto as empresas procuravam soluções para problemas de tesouraria. “Hoje, as empresas estão mais disciplinadas”, garantiu.

Apesar de 2018 ter sido visto, pelos especialistas, como um ano positivo, este ano está a ser encarado com precaução, embora com perspectivas otimistas, embora as operações de grandes valores não venham a ser tão frequentes.

No caso concreto do Brexit, “há imensas empresas britânicas a diversificarem os sítios onde estão presentes e isso é positivo para as M&A”, frisou Carlos Carvalho.

O imobiliário, em especial as vertentes das residências universitárias ou escritórios, que contam com um rendimento de longo prazo, captaram muito interesse em fusões e aquisições no ano passado.

Mas as áreas de intervenção não se esgotaram aqui. Por exemplo, o Haitong Bank atuou bastante nas áreas da energia, nas infraestruturas e concessões rodoviárias e no setor da saúde. “A maior operação foi a venda, a 100%, da Gasqan a um fundo de infraestruturas do UBS”, revelou fonte próxima do banco chinês, que tem em pipeline dois negócios na área de food & beverage.

As incertezas em torno da guerra comercial entre os EUA e a China, o arrefecimento da economia mundial e o Brexit constituem, ainda assim, fatores a ter em conta. “A guerra comercial é a grande questão, para além dos fatores internos”, explicou Miguel Geraldes.

Uma possível contração mais acentuada da economia, aliada a uma disrupção do mercado global provocado pelas tensões comerciais entre os EUA e a China poderão ter um efeito nefasto no mercado de M&A em Portugal, com os investidores e as empresas dispostos a correrem menos riscos.

Apesar de tudo, há quem mantenha o otimismo. Carlos Carvalho assumiu que “em 2019, [a atividade de M&A] vai melhorar”. “Já está na agenda das empresas e, apesar dos bancos estarem mais e melhor capitalizados, continuam a fechar a porta às empresas com problemas de tesouraria”, explicou.

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