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Big brother fiscal

Portugal sempre foi um país com pouca cultura cívica e um dos exemplos disso é a forma como acatamos, sem grande sobressalto, que o Estado entre nas nossas vidas e nos controle os passos.
24 Outubro 2020, 10h40

Portugal sempre foi um país com pouca cultura cívica e um dos exemplos disso é a forma como acatamos, sem grande sobressalto, que o Estado entre nas nossas vidas e nos controle os passos. É como se tivéssemos receio de dar a entender que temos algo a esconder, pelo simples facto de não querermos que se metam na nossa vida. Enquanto isso, o Estado trata todos os cidadãos como potenciais suspeitos.

De boas intenções está o inferno cheio e não é difícil, a quem está no poder, encontrar pretextos para justificar o injustificável. Vimos isso, de forma folclórica, na tentativa de impor a obrigatoriedade do uso da aplicação “Stay Away Covid”, em nome da saúde pública. Vemos isso, de forma bem mais eficaz, em muitas medidas de combate à evasão fiscal, como as alterações na forma como o ficheiro SAF-T é enviado à Administração Tributária.

No fim do dia, é como se os cidadãos e as empresas existissem em função do Estado, não o contrário. Claro que, para aqueles que querem construir um mundo perfeito, nenhuma dessas medidas será demasiado. Ficamos com a sensação de que alguns só ficarão satisfeitos quando o ser humano deixar de o ser e formos transformados numa espécie de autómatos.

Para quem quer construir um mundo perfeito, a condição humana é um mero pormenor, ou uma inconveniência biológica que pode ser superada com pedagogia, censura social, coimas e penas de prisão. O problema é que os mundos perfeitos não existem e, não por acaso, todas as tentativas para os criar correram tragicamente mal. Haverá sempre quem fuja aos impostos, mas as medidas para combater a evasão fiscal não podem provocar mais mal à sociedade do que bem. A denúncia destas práticas pela bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados, Paula Franco, é um ato de coragem cívica que merece ser reconhecido.

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