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BlackRock: “Reeleição de António Costa daria sinal positivo aos mercados”

Novo governo PS representaria estabilidade da política orçamental para os mercados, diz analista da BlackRock, a maior gestora de ativos do mundo. Fraco investimento público “é um risco” económico.
6 Julho 2019, 09h00

Passaram 1.886 dias desde a quarta-feira, 23 de janeiro de 2013, que marcou o regresso da República Portuguesa aos mercados, ainda durante o Programa de Assistência Económica e Financeira. Numa venda sindicada de dívida a cinco anos, o IGCP – Agência de Gestão de Tesouraria e Dívida Pública, colocou 2,5 mil milhões de euros.

Dois dias depois do sucesso da operação, na qual a procura foi cinco vezes superior à oferta, o então ministro das Finanças, Vítor Gaspar, já pensava em arriscar na emissão de dívida a dez anos. Só passados 456 dias é que os mercados aceitaram o risco de comprar dívida portuguesa com esta maturidade. E fizeram-no, a 23 de abril de 2014, cobrando 3,591% para investir em 750 milhões de euros de dívida soberana, no leilão de Obrigações do Tesouro (OT), o primeiro desde a entrada da troika.

Desde então, até ao último leilão de OT a dez anos, que aconteceu no passado dia 12, decorreram 1.877 dias para que Portugal conseguisse algo inédito – um novo mínimo histórico ao conseguir, pela primeira vez, uma yield abaixo de 1%. Foi a confirmação, pelos mercados, de que o investimento em dívida soberana portuguesa deixou de ser considerado de alto risco. “Provavelmente, toda a gente concorda que a história portuguesa é uma história de sucesso”, disse Felix Herrmann, referindo-se à trajetória descendente das yields da dívida soberana.

O market strategist da BlackRock, a maior gestora de ativos do mundo, com cerca de 6,5 biliões de dólares sob gestão, enalteceu as descidas das taxas de juro da dívida portuguesa: foi algo que “ninguém esperava”, disse, de forma perentória. “No pico da crise financeira”, relembrou Herrmann, no mercado secundário “as yields portuguesas tocavam os 15%”.

Este ano, o IGCP, liderado por Cristina Casalinho, vendeu dívida a dez anos por cinco vezes, a preços sucessivamente mais baixos. No total, Portugal emitiu 3.592 milhões de euros em leilões de OT benchmark, com o mais ‘caro’ a ocorrer em fevereiro, no qual Portugal pagou 1,568% para colocar 705 milhões de euros.
Mas será que as yields de dívida pública continuarão nesta trajetória descendente? Aos olhos dos investidores internacionais, parte da resposta reside no ambiente político que se tem vivido no país . “Creio que o ponto positivo em Portugal consiste na estabilidade política”, salientou Felix Herrmann. “Atualmente, os mercados prestam muita atenção à estabilidade política”.

Sobre a perceção que os mercados financeiros têm atualmente da economia portuguesa – que tem impacto nas taxas de juro da dívida pública –, o analista foi mais longe. Para Felix Herrmann, a possível reeleição do atual primeiro-ministro será entendida como um sinal da estabilidade, que os mercados apreciam. “António Costa parece ser capaz de vencer as eleições em outubro. E, caso consiga, daria um sinal positivo para os mercados financeiros”, revelou o analista.

Isto porque um segundo mandato do atual líder do Executivo seria interpretado como uma manutenção das políticas orçamentais pelos mercados. Questionado sobre uma vitória eleitoral de outra força política que não o Partido Socialista, o analista da BlackRock disse que “no fim do dia, o que interessa é se haverá uma grande alteração da política orçamental em Portugal”.

Governo deveria aumentar já o investimento público
Em 2011, ano em que a troika entrou no nosso país, o investimento público português ascendeu a cerca de 6,14 mil milhões de euros, representando 3,5% do PIB, segundo a Ameco, a base de dados da Comissão Europeia. Dentro da zona euro, em termos percentuais face ao PIB, foram nove os países que investiram menos do que Portugal.

Nos sete anos que se seguiram, o investimento público contraiu e ficou sempre (muito) aquém do nível atingido em 2011. E, no ano passado, o investimento público português fixou-se nos 2%, em igualdade com a Irlanda, e apenas à frente de Espanha e de Itália – com a ressalva que, em termos absolutos, o investimento destes países tenha sido, em alguns casos, largamente superior ao português. No mesmo ano, em 2018, a média da zona euro situou-se nos 2,7%.

Atualmente, “com as yields nestes níveis, eu considero ser um dever para o governo português aumentar a despesa [pública]”, disse Felix Herrmann, aludindo ao baixo preço com que Portugal se tem financiado recentemente.

Assim, do ponto de vista financeiro, o analista da BlackRock alegou que o Executivo está a prescindir de uma oportunidade para investir, por exemplo, na melhoria das infraestruturas. “Olhando apenas para a ferrovia, como é que o governo português não renova os troços entre Lisboa e Porto?”, questionou.
“Se [o Governo] não investir enquanto as taxas de juro estão tão baixas, então está a dizer que não encontra nenhuma oportunidade de investimento que tenha um net present value positivo”, isto é, não identifica oportunidades para aumentar o investimento público, numa altura em que o custo de oportunidade é baixo, realçou Felix Herrmann.

Na opinião do analista da BlackRock, “o maior risco” para a economia portuguesa reside na ausência de aumento do investimento. “O governo promoveu o crescimento económico impulsionando a procura, em vez de aumentar o investimento público em ativos”, disse.

“Diminuiu a carga fiscal e, basicamente, tentou aumentar os rendimentos, especialmente entre os trabalhadores menos qualificados. Claro que isto é positivo, mas também representa um risco, no sentido em que, quanto mais tempo não se aumentar o investimento, maior serão os danos para a economia”, defendeu.

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