1. É extraordinário que um líder da oposição queira dar descanso ao primeiro-ministro. Normalmente, em qualquer democracia, passa-se o contrário. O aspirante ao Poder não enjeita qualquer oportunidade de estar frente a frente com o chefe do executivo para confrontá-lo, expor-lhe as fraquezas, pessoais e políticas, assinalar à comunidade a falta de coerência ou, até, de projetos. Para isso, todas as oportunidades serão sempre poucas. Em política é assim. E o que se perde por vezes em rigor, em função do eventual primado do espetáculo, encenado por um lado e pelo outro, tem de ser racionalizado como permanente ganho de escrutínio. Antes a mais do que a menos.

2. Rui Rio, já o sabemos, faz gala em ser diferente. Este caso do fim dos debates quinzenais no Parlamento com o primeiro-ministro (que passam a ser de dois em dois meses, com o álibi do incremento dos debates temáticos e setoriais com ministros) fornece-nos um mapa da cabeça do presidente do PSD. Lá habita a ‘responsabilidade’, a noção do valor do ‘trabalho’, o reconhecimento da importância da ‘reflexão’, o primado do ‘interesse nacional’. E, em paralelo, emerge a convicção: o Poder cabe, por direito, se calhar divino, ao Bloco Central. Hoje é o PS – e António Costa. No futuro voltará a ser o PSD – e com certeza ele, Rui Rio. Admito que a renovação do tecido político e partidário, com a entrada em cena do Chega e do Iniciativa Liberal, depois da consolidação do Bloco de Esquerda nos últimos 20 anos, seja ainda mais incómoda para Rio do que para Costa.

3. Esta questão colocou de um lado o Bloco Central e do outro todas as restantes forças parlamentares. Mas também mostrou, felizmente, partidos com vozes dissonantes. No PSD houve, como a líder da JSD, Margarida Balseiro Lopes, quem questionasse a falta de debate interno sobre a matéria, pelo menos ao nível do grupo parlamentar, e apontasse o dedo à opção pela disciplina de voto. No PS, até um símbolo do aparelho como António Lacão veio falar das responsabilidades históricas do partido e rejeitar que este confinamento dos debates sobre política geral possa reclamar mérito numa qualquer perspetiva de combate ao populismo. Ambos proclamam uma evidência: PS e PSD são estruturas dóceis e comandadas de forma absolutamente vertical.

4. A partir de agora, um qualquer primeiro-ministro só tem de ir ao Parlamento seis vezes por ano, sendo que fica obrigado a estar presente na apresentação do Orçamento do Estado, no Debate do Estado da Nação e antes dos dois principais Conselhos Europeus. Por junto, falará mais aos portugueses através de entrevistas à comunicação social, de participações em eventos sociais e reuniões partidárias do que pela prestação de contas na sede da Democracia. Há 13 anos, quando José Sócrates correspondeu ao repto de Paulo Portas e aos desejos de uma comissão parlamentar liderada por António José Seguro, pensava-se exatamente o contrário.

O primeiro-ministro tinha de estar mais presente. Se havia falta de tempo que comesse menos febras de porco com os caciques regionais do partido. E desde aí para cá, esses debates acrescentaram ao escrutínio público. Tinham significado e pressionavam o exercício do Poder. Passá-los para menos de metade é um atentado ao carácter parlamentar da democracia portuguesa e uma mensagem clara: PSD e PS gostam mais de mandar do que debater e explicar.