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Bloco Central acusado de matar as reuniões do Infarmed

Ponto final nas apresentações da situação epidemiológica da Covid-19 em Portugal foi anunciado pelo Presidente da República sem aviso prévio, mas as declarações de Rui Rio de que o modelo estava esgotado foram encaradas por vários partidos como um prenúncio de entendimento com o Governo.
Marcelo Rebelo de Sousa à saída do Infarmed
FOTO: Presidência da República
8 Julho 2020, 18h09

Terá sido sem aviso prévio aos intervenientes que Marcelo Rebelo de Sousa anunciou à comunicação social que a décima “reunião do Infarmed”, como ficaram conhecidas as apresentações da situação epidemiológica da Covid-19 realizadas de duas em duas semanas desde o final de março, seria também a última. No entanto, os sinais de que tal iria suceder eram manifestos e o facto de a data seguinte não ter sido marcada pelo primeiro-ministro António Costa antes de o Presidente da República encerrar a sessão só confirmou a impressão generalizada, entre representantes dos partidos mais à direita e mais à esquerda, de que uma espécie de Bloco Central decidira pôr termo aos momentos em que os políticos tinham possibilidade de ouvir e questionar os especialistas sobre a evolução da pandemia.

A noção de que as apresentações da situação epidemiológica da Covid-19 tinham recebido “sentença de morte” começara a tomar forma, ainda que não fosse do conhecimento da esmagadora maioria dos habituais participantes, desde sábado, quando o Porto Canal transmitiu uma entrevista com Rui Rio em que o presidente do PSD foi muito crítico para com um “modelo esgotado”. No seu entender, as reuniões em que tem participado por videoconferência – tal como outros conselheiros de Estado – tinham deixado de ter utilidade, o que fez desconfiar alguns partidos de que haveria um entendimento com o primeiro-ministro, apesar de António Costa ter aproveitado a reunião da Comissão Nacional do PS, também no sábado, para deixar um aviso à navegação: “Connosco não haverá Bloco Central”.

Certo é que nas reações dos partidos políticos ao fim das “reuniões do Infarmed” não faltaram dedos apontados à convergência de posições entre Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa e Rui Rio. O vice-presidente do CDS-PP, António Carlos Monteiro, comentou que “não podemos deixar de lamentar que numa altura em que a crise de saúde pública não está resolvida, e depois de especialistas terem contrariado as teses do primeiro-ministro na reunião anterior, vemos o presidente do maior partido da oposição dizer que as reuniões passaram a ser dispensáveis”, enquanto o líder do Chega, André Ventura, realçou ser “de estranhar que poucos dias depois de o presidente do PSD ter referido que estas reuniões estavam a ter cada vez menos importância, o Governo tenha também ele decidido terminar com elas”, apontando uma “concertação entre o principal partido da oposição e o partido do Governo, com a passividade cúmplice do Presidente da República”.

Na explicação para o fim das sessões quinzenais, Marcelo Rebelo de Sousa elogiou a “experiência única não verificada em nenhum outro país europeu e, que se saiba, em nenhum outro país do mundo”, dizendo que o “contacto aberto entre especialistas e decisores políticos facilitou a convergência e unidade de análise, troca de pontos de vista e até convergência de decisão”. Antecipando um “modelo reajustado para novas circunstâncias”, agradeceu ao primeiro-ministro e ao Governo por terem tido a ideia das sessões e aos especialistas e representantes de partidos políticos pela participação em “momentos de esclarecimento e de debate interno”.

Além das reservas à direita, com a dirigente da Iniciativa Liberal Carla Castro a considerar a decisão “lamentável” e a garantir que as sessões quinzenais “cumpriram e cumprem ainda” o objetivo de partilhar “conhecimento fundamental para o escrutínio da ação do Governo e das autoridades de saúde e procura de alternativas”, também à esquerda houve críticas. Sobretudo da dirigente do PEV Dulce Arrojado, segundo a qual as “reuniões do Infarmed” deveriam continuar a acontecer, mas também do comunista Jorge Pires, para quem “desde o princípio tiveram uma importância extraordinária, pois o conhecimento científico é fundamental para conduzir as medidas políticas no combate à Covid-19”.

Pelo lado do Bloco de Esquerda, o deputado José Manuel Pureza disse aceitar que as reuniões “tenham chegado ao final de um ciclo”, defendendo que a Assembleia da República deverá continuar a “fiscalizar de forma muito rigorosa toda a evolução da pandemia, das políticas que tenham sido adotadas e das que venham a ser adotadas”.

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