A China é a segunda maior detentora do mundo de treasuries, os títulos da dívida norte-americana com cerca de 759 mil milhões de dólares em março de 2025 e os analistas sabiam que é uma arma poderosa nas mãos do figadal ‘inimigo’ da Casa Branca.
A guerra das tarifas – que esta terça-feira levou os Estados Unidos a imporem tarifas de 104% aos produtos chineses à entrada dos Estados Unidos – deixava antever que Pequim podia usar esta espécie de bomba atómica financeira. E, com o extremar das posições ao longo do dia de ontem, foi isso mesmo que fez.
Segundo a imprensa internacional, a China vendeu 50 mil milhões de dólares de títulos de dívidas dos Estado Unidos e o resultado foi um aumento dos juros pagos pelos Estados Unidos. A reação dos mercados foi imediata: os juros pagos pelos títulos a 10 anos do Tesouro norte-americano dispararam nas últimas horas, quase anulando a queda registada após o chamado ‘Liberation Day’.
O rendimento dos papéis passou de 3,85% para 4,20% em poucas horas, uma movimentação que os analistas consideram extremamente agressiva e pouco vista nos mercados das dívidas soberanas. Os títulos a 10 anos são um forte indicador da confiança no governo norte-americano no longo prazo. O aumento dos juros a pagar reflete a deterioração dessa confiança e o aumento do risco que os investidores internacionais detetam quando decidem emprestar dinheiro ao país.
Segundo as contas das casas especializadas, a China ainda detém, depois desta venda, cerca de 650 mil milhões de dólares em treasuries, continuando a ser o segundo país do mundo a deter a maior quantidade de papéis da dívida norte-americana.
E o que fará o Japão?
Acima da China, só o Japão. E, tal como fez Pequim, Tóquio tem em seu poder usar esta jogada estratégica para pressionar os Estados Unidos. O contexto é muito adverso: o governo japonês tinha fortes expectativas de escapar à onda de aumentos tarifários às exportações para os Estados Unidos. Nomeadamente porque o governo japonês foi dos poucos a iniciar negociações sobre a matéria ainda antes das decisões de Donald Trump. Ora, quando elas chegaram, a consternação instalou-se em Tóquio: afinal, o país – e mais especificamente o seu setor automóvel – não fora poupado às ‘loucuras’ tributárias do presidente norte-americano.
Agora, dizem os analistas, Tóquio pode seguir o exemplo de Pequim e ‘inundar’ o mercado de treasuries norte-americanas. Se isso suceder, os juros a pagar pelos Estados Unidos voltaram a subir em flecha, impondo ainda mais pressão a uma administração que eventualmente não fez as contas todas quando decidiu ‘brindar’ o mundo com novas tarifas de forma mais ou menos indiscriminada – com a notável exceção da Rússia.
A venda em massa dos títulos gera duas pressões simultâneas sobre a economia dos EUA. A primeira é que aumenta os juros de longo prazo, o que pressiona o custo de financiamento do governo e da economia. A segunda é que o movimento reduz a procura de treasuries, normalmente observadas como o ativo mais seguro do mundo. Além disso, a saída da China do mercado de dívida norte-americana pode forçar o Reserva Federal (Fed, instituição reguladora com que Trump tem um desaguisado que vem do primeiro mandato) a intervir para conter o disparo das yields, possivelmente antecipando cortes de juros ou tendo de regressar a programas de recompra de ativos.
Até há pouco, a China teria na sua posse 759 mil milhões de dólares em dívida norte-americana – mas segundo as contas mais recentes (que já incorporam as vendas em massa) terá agora cerca de 650 mil milhões. O Japão terá qualquer coisa próxima dos mil milhares de milhões (um bilião de dólares na ótica europeia, ou um trilião na designação norte-americana). Refira-se que a China chegou a ter, entre 2011 e 2013, cerca de 1,3 biliões de dólares de treasuries. Refira-se que a dívida total dos Estados Unidos é de 34 biliões de dólares, dos quais 7,7 biliões são detidos por investidores estrangeiros, conforme dados do Departamento do Tesouro dos EUA de dezembro de 2021. O Congressional Budget Office (CBO) projeta que a dívida pública federal pode alcançar 116% do PIB até 2034.
Última nota: os Estados Unidos estavam a preparara-se para ir ao mercado de dívida esta quarta e quinta-feira. O movimento da China não é, com toda a certeza, mera coincidência.
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