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Brexit: que países serão mais atingidos por uma saída sem acordo?

O exercício é necessariamente incompleto, mas o ING, instituição financeira de origem holandesa, estudou que países vão ser mais afetados pelo Brexit. Portugal não faz parte do topo do quadro, mas ninguém sai sem alguma perturbação.
21 Março 2019, 07h44

A maioria das contas que já se fizeram para uma situação de saída do Reino Unido da União Europeia sem acordo tem por foco o próprio Reino Unido, mas os holandeses do ING optaram por olhar para o outro lado, o dos 27 que se mantêm no agregado. Para concluir, desde logo, que “há muitas formas de um Brexit sem acordo revelar-se perturbador”.

Para o setor dos serviços, a Europa vive para já na “incerteza em torno da partilha de dados, do acesso aos mercados financeiros; e da futura liberdade de movimentos, mas os holandeses quiseram também lançar um olhar sobre o comércio.

Na ótima do ING, existem dois obstáculos principais. O primeiro deles é que algumas exportações do Reino Unido para a UE enfrentarão tarifas substancialmente mais altas. “Deixar a União Aduaneira pode criar dores de cabeça em torno das regras de origem e também introduzir tarifas sobre mercadorias”. As remessas com destino à UE estarão sujeitas ao cronograma tarifário da Organização Mundial do Comércio (OMC), que Bruxelas aplica a países com os quais a UE não tem nenhum tipo de acordos comerciais.

A tarifa média ponderada que o Reino Unido teria que pagar sobre suas exportações para a UE é de 3,9%. No entanto, o ING chama a atenção para que “há uma grande variação nas tarifas em diferentes produtos. Vestuário, carros e produtos agrícolas tendem a enfrentar as tarifas mais duras. As taxas mais altas são sobre produtos lácteos e produtos agrícolas – com alguns produtos a poderem chegar aos… 178%.

O Reino Unido pode reduzir as tarifas sobre as importações da União, mas isso, a prazo, podia ser um desastre: iria corroer a competitividade das empresas britânicas no mercado interno. E também não ajudaria o Reino Unido a encontrar outros fornecedores: ser-lhes ia muito difícil fechar acordos de livre comércio com o resto do mundo, já que não haveria muito a oferecer em termos de redução de tarifas.

Por outro lado, e uma vez que o cabaz de exportações para o Reino Unido varia significativamente de um país da UE para o outro, as tarifas seriam diferentes para cada Estado-membro. “A Irlanda, por exemplo, exporta muitos produtos de consumo diário, carne e produtos agrícolas sujeitos a impostos acima da média. Para alguns outros países, o oposto é verdadeiro. As exportações finlandesas, por exemplo, são dominadas por papel e produtos de madeira, para os quais as tarifas são tipicamente baixas”.

Além das tarifas médias ponderadas, alguns países negoceiam direta ou indiretamente com o Reino Unido mais do que com outros países. Em média, 1,9% do PIB da UE depende da procura final do Reino Unido (o contrário, a procura da UE no Reino Unido, vale 6,8% do PIB britânico), mas existem diferenças consideráveis ​​entre os países da UE. Alguns exemplos: as compras do Reino Unido pesam 7,4% do PIB irlandês, mas apenas 0,6% do PIB grego.

Os países vizinhos do Reino Unido, Irlanda, Bélgica e Holanda estão particularmente expostos. Embora Malta também seja altamente dependente da procura do Reino Unido, ela está quase totalmente concentrado no setor de serviços, que é menos afetado pelas tarifas. A Eslováquia, a Polónia e a Dinamarca também apresentam uma exposição acima da média da UE-27. Chipre é o caso mais ‘desesperado’.

Em termos de setores, os dados mostram que as empresas da União das áreas da mineração e pedreiras são mais dependentes da procura da Grã-Bretanha. Mas é improvável que as empresas de mineração estejam entre as mais atingidas por um Brexit sem acordo, porque as tarifas para esses setores são geralmente inferiores a 1%. Estes bens serão também menos afetados por fricções decorrentes da saída repentina do mercado único da UE.

Ao contrário, as empresas do setor automóvel e as produtoras de alimentos serão muito afetadas, já que as tarifas sobre esses tipos de produtos são muito maiores e a dependência da procura britânica também está acima da média. Farmacêuticas, transporte aéreo, eletrónica e têxtil (por esta ordem) são os restantes setores com exposição relevante ao mercado britânico.

O outro problema é a fronteira física à entrada no Reino Unido. Os produtos europeus estarão sujeitos a verificações nas fronteiras do Reino Unido para garantirem o cumprimento das regras britânicas. “O provável aumento dos custos pode ser uma razão para não exportar para o Reino Unido”, refere o ING.

Alimentos e produtos de origem animal tendem a ser os mais examinados. E a instituição holandesa chama a atenção para o facto de nem Dover nem Calais (portos que ligam as duas margens do Canal da Mancha, terem postos de inspeção de fronteira necessários para fornecerem exames veterinários – embora a França esteja já a construir essas infraestruturas.

“Tomemos um exemplo: o Reino Unido exporta 81% do peixe que captura e importa uma proporção significativa do que come. Dada a capacidade limitada para realizar os controlos veterinários/fitossanitários, existe potencial para longos atrasos em ambos os lados do canal.

O governo do Reino Unido já disse que não haverá uma opção realista para realizar verificações na fronteira com a Irlanda do Norte. “Isso pode induzir um maior escrutínio das alfândegas da UE nas fronteiras do Reino Unido, pois oferece incentivos para o contrabando”, alerta o ING.

As fricções portuárias também serão um grande problema para as cadeias de suprimentos just-in-time. A Associação Britânica de Transporte de Carga estimou que, para cada minuto extra que um camião perde na alfândega em Dover, aproximadamente 30 quilómetros de filas adicionais formar-se-iam nas principais estradas do Reino Unido. Ora, “Isso aumenta potencialmente o custo do transporte e reduz a viabilidade de remessas de valor mais baixo”. Uma situação semelhante poderia ocorrer no lado francês da fronteira.

Feitas as contas, a instituição holandesa não conseguiu detetar um único bom motivo para que o Brexit seja concluído sem acordo. Mas o certo é que os chamados ‘hard brexiters’ – todos eles, ou quase, acantonados no partido da primeira-ministra Theresa May, continuam a achar que essa é a única forma de o Brexit ser um Brexit verdadeiro.

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