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Bruxelas diz que “não há nenhum impedimento a que o Estado retome o controlo dos CTT”

“A União Europeia deixa claro o que já se sabia, mas agora está escrito”, afirmou ao Jornal Económico o eurodeputado eleito pela CDU Miguel Viegas, após ter recebido a resposta da Comissão Europeia à interpelação que fez em janeiro sobre a renacionalização dos CTT – Correios de Portugal.
  • Cristina Bernardo
10 Abril 2019, 07h49

Quase quatro meses depois de o coordenador da bancada do PS, Carlos Pereira, ter afirmado que o controlo público dos CTT – Correios Portugal  dependeria da autorização de Bruxelas, eis que a Comissária Europeia para o Mercado Interno, Indústria, Empreendedorismo e PME, a polaca Elżbieta Bieńkowska, esclareceu que nenhuma regra comunitária impede a nacionalização da empresa de serviço postal pelo Estado português.

“A Diretiva relativa aos Serviços Postais não requer qualquer estrutura de propriedade específica para os operadores dos serviços postais que prestam o serviço universal. Tal foi explicado no documento de trabalho dos serviços da Comissão que acompanhou o último relatório sobre a aplicação da Diretiva relativa aos Serviços Postais. O considerando 47 da Diretiva 2008/6/CE refere igualmente «o princípio, estabelecido no artigo 295.° do Tratado, da neutralidade no que respeita à legislação aplicada nos Estados-Membros ao regime da propriedade. O Banco CTT, instituição de crédito, faz parte do grupo CTT. Qualquer aquisição direta ou indireta de 100 % das ações da instituição de crédito deve ser objeto de notificação e avaliação prévias pela autoridade competente, em conformidade com a Diretiva Requisitos de Fundos Próprios. A diretiva não impede uma aquisição por parte de uma entidade pública; no entanto, a autoridade competente pode opor-se à proposta de aquisição se existirem motivos razoáveis para tal, com base nos critérios estabelecidos na diretiva”. Por Elżbieta Bieńkowska

A resposta surgiu esta segunda-feira, 8 de abril, por escrito, depois do eurodeputado comunista Miguel Viegas ter questionado a Comissão Europeia sobre a renacionalização dos Correios de Portugal, em 23 de janeiro. Ao Jornal Económico, o eurodeputado, que este ano não integra as listas do PCP para as eleições europeias que se realiza entre os dias 23 e 26 de maio, disse que “o mérito da pergunta e da resposta está na clarificação de que não há nenhum impedimento para que o Estado retome o controlo dos CTT, salvo os habituais constrangimentos que decorrem das leis do mercado”.

“Pergunto à Comissão Europeia como avalia o caso, ou se existe algum estudo sobre a liberalização dos correios e sobre o seu impacto na qualidade do serviço e na universalidade do acesso por parte das populações. Pergunto igualmente qual a consequência desta licença bancária no quadro de um processo de nacionalização do grupo CTT, decorrente da necessidade de recuperação para o controlo público do serviço postal, um serviço público fundamental”. Por Miguel Viegas

“A União Europeia deixa claro o que já se sabia, mas agora está escrito. Não há nenhum impedimento para que o Estado retome o controlo dos CTT. O que está implícito na resposta e que não é nenhuma surpresa, é a subordinação dessa eventual decisão do Governo em respeitar as leis do mercado”, prosseguiu.

Não é de agora a posição do PCP, que defende o serviço universal postal enquanto serviço público e que esse serviço público caberá a uma entidade pública. O que não acontece atualmente, tendo em conta que os CTT, embora prestem um serviço público, são uma empresa privada desde 2014 (uma privatização que os comunistas se opuseram). Assim, em caso de uma reversão da privatização dos CTT- argumentou Miguel Viegas -, o Governo teria apenas de “dar garantias à Comissão Europeia de que não se trata de uma ajuda do Estado, que configure uma vantagem concorrencial desleal”.

“Ou seja, os CTT eventualmente renacionalizados comportam-se no mercado como se fosse uma outra empresa qualquer, com a pequena diferença de terem capitais públicos”, defendeu o eurodeputado.

O que motivou a interpelação de Miguel Viegas ao executivo de Jean-Claude Juncker foi a interpretação de que “os correios representam um serviço fundamental para qualquer economia” e, em Portugal, o balanço de 360 trabalhados despedidos , o encerramento de 53 balcões, “deixando 48 concelhos sem qualquer posto de atendimento”, num total de 308 concelhos, não abona a favor dos CTT, desde que foi privatizado.

Mas também o que Viegas considera ser falta de vontade política do governo socialista em concluir a discussão sobre os CTT, visto que há entre os socialistas vários setores que defendem a reversão da privatização dos CTT, alegando que a empresa não garante um serviço igualitário em todo o país que concorrem contra outros setores que não querem ter essa discussão.

“Banco CTT também seria nacionalizado”
Em 22 de janeiro, o coordenador da bancada parlamentar do PS para os assuntos económicos, Carlos Pereira, defendeu que uma reversão da privatização dos CTT, ocorrida há cinco anos, teria que passar pela Direcção-Geral da Concorrência da União Europeia, uma vez que a empresa de distribuição postal detém uma licença para atividade bancária, por via do Banco CTT.

Questionado pelo Banco CTT, Miguel Viegas frisou a Diretiva 2008/6/CE, cujo ponto 47 é mencionado na resposta da comissária Elżbieta Bieńkowska. “Neste ponto não há surpresas. Há regras que estão instituídas concordando ou não com elas, mas que não configuram impedimento a que o Estado possa reassumir o controlo dos CTT”, afirmou.

As autoridades reguladoras nacionais continuarão muito provavelmente a ter um papel essencial, em particular nos Estados-Membros onde o processo de transição para a concorrência não está ainda concluído. De acordo com o princípio da separação das funções de regulação e operacionais, os Estados-Membros deverão garantir a independência das autoridades reguladoras nacionais, assegurando assim a imparcialidade das suas decisões. Este requisito de independência não prejudica a autonomia institucional e as obrigações constitucionais dos Estados-Membros, nem o princípio, estabelecido no artigo 295.o do Tratado, da neutralidade no que respeita à legislação aplicada nos Estados-Membros ao regime da propriedade. As autoridades reguladoras nacionais deverão dispor de todos os recursos necessários em termos de pessoal, de competências e de meios financeiros para o desempenho das suas funções. Número 47 da Diretiva 2008/6/CE

Para o eurodeputado português, “a diretiva dos requisitos de capital tem um conjunto de preceitos que têm de ser respeitados e, havendo uma alteração do capital naquilo que possa vir a ser o Banco CTT, remete para esta diretiva o que é de licenciamento de uma entidade bancária e remete também para as mesmas normas que qualquer banco tem de respeitar. No fundo tem de se respeitar as traves mestras da União Europeia: respeito pela concorrência e a não atribuição de uma ajuda indevida que coloque uma empresa em situação de favorecimento”.

Viegas sustentou que o que falta, na visão dos comunistas, é uma proposta concreta sobre uma nova nacionalização dos CTT, em que a operação bancária dos CTT não é obstáculo.

“Face à necessidade concreta, que é dar resposta a um serviço que se degradou substancialmente, é perfeitamente exequível antecipar uma solução que passaria pela venda [do Banco CTT] a um outro investidor ou banco que queira ficar com a parte financeira e, no fundo, salvaguardar os CTT. Também é possível a nacionalização do pacote [CTT e Banco] e a posterior separação em duas instituições distintas. Há aqui muitas possibilidades que dependem, sobretudo, da vontade política do Governo”.

“A vontade do PCP é nacionalizar ambos”, sublinhou o eurodeputado comunista, defendendo que o serviço postal e a operação bancária “são duas questões distintas que estão ligadas nos CTT, mas que politicamente deve ser separada”.

 

 

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