[weglot_switcher]

Bruxelas em dia de três cimeiras: carros blindados, helicópteros e muitos discursos repetidos

Naquela que terá sido por um dia a cidade mais bem guardada da galáxia, os discursos tiveram pouco de novidade. E Volodymyr Zelensky aceitou estar presente, mas desta vez apenas por via de uma mensagem pré-gravada. Falar em direto e não ser ouvido também cansa.
NATOpress/Twitter
24 Março 2022, 22h28

Bruxelas foi esta quinta-feira a capital do mundo: três cimeiras de máxima importância – da NATO, do G7 e da União Europeia – ali decorreram, com alguns protagonistas a repetirem-se e o sentimento comum de um inimigo declarado de todos: a Rússia.

Mas a verdade é que, no final das três rondas, as novidades são poucas: todos aceitaram que as sanções são o caminho certo para combater a deriva de Vladimir Putin, todos aceitaram que é necessário mais um esforço nesse sentido mesmo que os efeitos colaterais caiam com estrondo sobre o próprio Ocidente, todos aceitaram que não colocarão um pé em território ucraniano para combater cara a cara o inimigo comum.

Bruxelas foi “o centro do mundo livre”, nas palavras inspiradas da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, – mas repetiu-se também o discursos do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, para quem falta ainda provar que esse mundo livre está a fazer tudo para subtrair o seu país ao jugo da Rússia e abrir-lhe as portas dessa liberdade. É um discurso sem esperança: o ‘não’ à intervenção direta não tem alternativa e Zelensky sabe que, de algum modo, está sozinho com o seu povo num burker algures em Kiev.

Não terá passado despercebido aos presentes que o presidente ucraniano desceu um degrau no seu empenhamento: em vez de intervir em direto via zoom, como fez em vários parlamentos nacionais, desta vez optou por uma intervenção na cimeira da NATO através de um vídeo previamente gravado, como se quisesse dar a entender que já não tem tempo a perder com quem não aceita os seus conselhos e principalmente os seus avisos. Que repetiu: não tarda, a Rússia entrará em terreno da NATO e nessa altura a aliança terá mesmo de entrar na guerra, que uma Ucrânia destruída irá presenciar em direto e na primeira fila.

Biden, pela primeira vez convidado para uma cimeira dos 27, chegou com o pedido reforçado de que está na hora de os europeus desligarem a torneira do gás russo. Não, por certo, sem lhes oferecer a alternativa do gás natural liquefeito (GNL) norte-americano – que, se tudo correr bem, pode inundar a Europa a partir de Sines – capaz, diz Biden, de suprir uma parte substancial do que deixará de vir da Rússia. De alguma forma, dois dos debates mais intensos da União – sanções e energia – parecem fadados a permanecerem juntos.

Os cidadãos de Bruxelas, diz quem lá esteve, passaram o dia com um estranho zumbido nos ouvidos: carros blindados e helicópteros com certeza transformaram a cidade no lugar mais bem guardado do planeta. “A ideia da unidade da Europa como um todo, não apenas da NATO ou do G7, é realmente a coisa mais importante que podemos fazer para parar esse homem que acreditamos já ter cometido crimes de guerra”, assegurou Biden ao chegar ao encontro com os líderes dos 27.

Mas a União parece ainda relutante. Até o momento, foram aprovados quatro pacotes de sanções, algo que muitos países já consideram um passo histórico e, alguns, até suficiente: já não há muito mais espaço para alargar a outros o universo das medidas. Ou, dito de outra forma, o próximo passo tem mesmo de ser fechar a torneira das importações de energia da Rússia. A União importa 90% do gás que consome, dos quais a Rússia fornece mais de 40%, assegurando ainda 27% das importações de petróleo e 46% das importações de carvão.

A Alemanha, o país mais relutante de todos, já disse que encontrou lá mais para o fundo da Ásia um novo potencial fornecedor – mas não é coisa que se faça de um dia para o outro. Ou seja, não há como fechar a torneira, por muito que GNL seja uma alternativa credível. Mas não é essa a única razão: principalmente no que tem a ver com os países da União que formaram o cordão sanitário entre a União Soviética e a Europa, as ligações à Rússia são bem mais fortes que o que podem parecer à primeira vista.

A antiga chanceler Angela Merkel sabia bem disso e o seu plano de, por via das ligações económicas, diminuir a distância para com a Rússia – um país que, mesmo que fronteiriço, esteve sempre distante do modo de vida europeu, apesar de São Petersburgo – fazia todo o sentido. É certo que foram muitos nos últimos tempos que a acusaram de vender barata a independência energética do país – mas esquecem-se que, enquanto durou (e foram décadas) – essa estratégia pareceu a todo o Ocidente uma opção sensata. Deixou de o ser, mas Merkel não será por certo a maior culpada.

Após a cimeira da NATO e do G7, o chanceler alemão, Olaf Scholz, reiterou que o embargo ao gás, petróleo e carvão não faz parte de seus planos no momento. Há de ter razão, até porque a oferta de GNL norte-americano tem detalhes que ainda não foram revelados. Von der Leyen – que também é alemã mas não é do mesmo partido do chanceler – assegurou que “um novo capítulo” foi aberto nos laços com o outro lado do Atlântico no que tem a ver com a energia, mas ainda ninguém sabe ao certo como é que essa transferência vai ser feita.

Os Estados Unidos já são o principal fornecedor de GNL para a Europa com 44% das importações europeias a janeiro de 2022, segundo dados da Comissão Europeia. A contribuição disparou 2.418% desde o acordo de julho de 2018, assinado pelo então presidente Donald Trump, e pelo presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker. Mas ainda só representa 18% do consumo total de gás na Europa. No total do sector energético, as importações vidas dos Estados Unidos cobrem apenas 6,6% do consumo da União – que comparam com os 45,6% cobertos pela Rússia. Ainda há um caminho muito grande a percorrer.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.