Bruxelas classifica as tarifas ‘recíprocas’ anunciadas pelos EUA na quinta-feira “um passo na direção errada”, lembrando os benefícios para ambas as partes nas trocas comerciais assentes em regras estabelecidas, isto numa altura em que o Banco Central Europeu (BCE) alerta para o impacto negativo das tensões geopolíticas e do comércio internacional na recuperação europeia. A economia da zona euro procura o caminho da retoma após um ano de crescimento próximo de nulo, mas a cada vez mais provável guerra comercial arrisca atrasar este processo, avisa a autoridade monetária.
O bloco europeu já havia garantido que irá responder às tarifas sobre o aço e alumínio anunciadas no fim-de-semana passado e que abrangerão as exportações europeias, uma posição reforçada após nova investida de Washington esta quinta-feira. Bruxelas fala numa retaliação “firme e imediata”, uma aparente escalada na retórica usada pelas instituições europeias.
No comunicado de sexta-feira de manhã, a Comissão diz-se comprometida com “um sistema comercial global previsível e aberto que beneficie todos os parceiros”, lembrando que a UE “prospera como uma das economias mais abertas do mundo, com mais de 70% das importações a entrarem sem tarifas”, e que impõe das barreiras à entrada mais baixas do mundo.
A posição mais endurecida surge após Trump anunciar nova ronda de tarifas “recíprocas”, nas palavras do presidente. Na prática, Washington prepara-se para retaliar qualquer barreira à entrada dos seus bens em países terceiros, incluindo impostos de valor acrescentado (IVA), regulação vista como excessiva, subsídios governamentais ou políticas cambiais desfavoráveis aos EUA, além de tarifas ou impostos alfandegários.
Na linha da habitual estratégia negocial do regressado presidente, que passa por maximizar a sua posição antes das conversações com os seus homólogos, e das suas promessas eleitorais protecionistas, esta medida parece um primeiro passo para pressionar os países visados a desencadearem negociações com os seus homólogos norte-americanos, sobretudo tendo em linha de conta a mensagem da Casa Branca de que a administração estará pronta para baixar estas taxas caso os seus parceiros comerciais fizessem o mesmo.
Segundo uma nota do departamento de análise económica e financeira do banco ING, a tarifa média geral imposta pelos EUA é ligeiramente superior à europeia, com 3,95% contra 3,5%, respetivamente. Ainda assim, há peculiaridades setoriais e em produtos específicos que dão alguns motivos à nova administração para avançarem com medidas protecionistas, como os 10% aplicados pela UE nos carros contra 2,5% nos EUA ou o diferencial de 3,5 pontos percentuais (p.p.) nas tarifas em produtos alimentares.
Apesar da balança comercial profundamente favorável à Europa do lado dos bens (um superavit de 156,7 mil milhões de euros em 2023, sendo que este valor nem é um máximo na série), do lado dos serviços o cenário é bastante diferente, com um défice próximo dos mil milhões de euros. Por outro lado, a Europa importa apenas oito produtos estrategicamente importantes aos EUA contra 32 em sentido inverso, conferindo-lhe alguma margem negocial.
BCE teme tensão comercial
Este escalar da tensão surge no dia seguinte à publicação do Boletim Económico do BCE, onde a instituição liderada por Christine Lagarde avisa para os efeitos das fricções no comércio global na recuperação europeia.
O final do ano passado viu já um abrandamento significativo das trocas comerciais a nível mundial, com o seu crescimento a abrandar de 1,5% de média nos dois trimestres anteriores para apenas 0,7% no último trimestre de 2024, isto apesar da forte atividade importadora nos EUA. Possivelmente antecipando as barreiras à entrada prometidas por Trump, as empresas norte-americanas aumentaram as suas compras de bens europeus, ajudando o crescimento do bloco.
Os dados mais recentes do Eurostat mostram um crescimento homólogo de 1,6% nas exportações da UE para os EUA em novembro, ao passo que as importações caíram 6,9%. Já os dados das encomendas industriais em dezembro caíram, deixando antever a forte possibilidade de um afrouxamento das exportações no arranque de 2025.
Perante isto, o BCE considera que “as fricções acrescidas no comércio global podem pesar na zona euro ao enfraquecer exportações e a economia global”, um cenário particularmente gravoso dada a fraqueza da moeda única no ano passado. Em linha com esta incerteza e falta de ímpeto, sobretudo no sector industrial, a confiança também está em queda, agravando ainda mais a probabilidade de uma recuperação adiada.
Ao mesmo tempo, e na senda da agenda da Comissão colocando a competitividade no topo das prioridades para esta legislatura, o Boletim publicado pelo BCE destaca que os custos associados ao comércio na UE equivalem a um imposto sobre o valor em torno de 44%, muito acima dos 15% calculados para a economia norte-americana.
Tagus Park – Edifício Tecnologia 4.1
Avenida Professor Doutor Cavaco Silva, nº 71 a 74
2740-122 – Porto Salvo, Portugal
online@medianove.com