As recentes políticas tarifárias do presidente dos EUA, Donald Trump, desencadearam uma tempestade no comércio global que gerará grandes desvios de mercadorias – que essencialmente se traduziram no encaminhamento da produção chinesa para a Europa, agora que o mercado dos Estados Unidos está praticamente fechado ao Império do Meio.
A China terá sérios problemas para vender as centenas de milhões em mercadorias que exportou para os Estados Unidos e a Europa afigura-se como o mercado mais próximo do dos EUA em termos de gostos e consumo. Ou seja, alguns analistas antecipam que o ‘velho continente’ virá a ser usado como zona de ‘despejo’ da produção chinesa.
Robin Winkler, economista-chefe do Deutsche Bank para a Alemanha, adverte, citado por reportagem do jornal espanhl ‘El Economista’, que o “choque comercial imediato na Ásia provavelmente reverberará na Europa”. De acordo com Winkler, os fabricantes chineses tentarão vender mais de seus produtos na Europa e em outros lugares, pois enfrentam “uma formidável barreira tarifária nos EUA”.
Andrzej Szczepaniak, economista da Nomura, aponta que as tarifas impostas pelos EUA à China são “muito mais altas do que muitos, inclusive nós, esperavam”. Como consequência, o risco de a China “inundar a Europa com mercadorias” aumentou “materialmente”, destaca.
Pequim – e o resto do mundo – sabia que novas tarifas estavam a caminho a partir do momento em que Donald Trump chegasse à Casa Branca. Ou seja, o regime de Xi Jinping, que não gosta de ser apanhado de surpresa, já prepara o choque há muito. E uma parte do plano de contra-ataque é o desvio de mercadorias para a Europa. Para que a estratégia funcione, a China sabe o que tem de fazer: reduzir as margens e vender esses produtos a um preço muito competitivo.
As últimas pistas dão origem a esse cenário, refere o jornal espanhol. Ainda esta semana ficou a saber-se que a China continua a ‘gerir’ a deflação, com um índice de preços ao consumidor (IPC) de -0,1% ano a ano em março. Mais preocupante, a deflação dos preços ao produtor (PPI) passou no mês passado de -2,2% ano a ano em fevereiro para -2,5% no mês passado, assinando o maior declínio mensal em seis meses.
A leitura parece clara: “parece que o PPI continuará caindo, dadas as recentes quedas nos preços das commodities e o impacto nas exportações, o que incentivará alguns fabricantes a cortar preços”, diz Julian Evans-Pritchard, estrategista da China na Capital Economics, igualmente citado pelo ‘El Economista’.
O grande problema, sublinha o analista, é que o consumo interno chinês continua muito fraco e, apesar das promessas das autoridades de corrigir esta situação, a verdade é que grande parte da despesa fiscal continua a ser dedicada à expansão da oferta da economia, impossibilitando que o consumo interno compense o enfraquecimento das exportações. Tudo isso leva, conclui o especialista, a um excesso de capacidade ainda maior.
Esse excesso de capacidade refere-se a nada mais do que a China produzindo bem acima de suas necessidades, causando um stock de excedente que vão desde carros elétricos até bens de consumo menores. Internamente, o problema não é grave: não demora muitos meses, ao contrário do que sucederia por exemplo na União, convencer o mercado interno de que tem espaço de manobra (financeiro) para aumentar os níveis de consumo – o que muito provavelmente sucederá em breve.
O impacto na economia da Zona Euro de uma avalanche agora aumentada pela punição norte-americana é um tanto incerto, conclui o jornal. Por um lado, permitirá que os europeus tenham acesso a mercadorias a preços baratos, mas, por outro lado, também pode expulsar mercadorias ‘made in Europe’ que são vendidas no continente. Mais poder de compra para o consumidor e problemas para algumas empresas.
Também da Capital Economics, seu analista para a Europa, Jack Allen-Reynolds, contempla que o aumento da concorrência das importações chinesas baratas poderia reduzir os preços dos produtos no Velho Continente. “Desde o Dia da Libertação, o euro fortaleceu quase 3% em relação ao yuan. E como a China está a enfrentar tarifas muito mais altas do que esperávamos, os seus exportadores podem reduzir ainda mais os preços para descarregar mercadorias que, de outra forma, teriam sido enviadas para os EUA”, argumenta.
Embora esteja confiante de que pode haver um efeito limitado – as importações da China representam apenas cerca de 1,5% do consumo da Zona Euro – o analista não descarta um aumento da concorrência chinesa que prejudicaria ainda mais a competitividade das empresas europeias, o que desencadearia uma aplicação de direitos antidumping na UE.
Embora os consumidores europeus possam beneficiar de preços mais baixos a curto prazo, um afluxo maciço de produtos baratos pode prejudicar a competitividade das indústrias locais, podendo levar à perda de postos de trabalho e ao encerramento de empresas. A UE encontra-se numa encruzilhada, procurando equilibrar a abertura comercial com a proteção dos seus setores estratégicos.
Mas até neste ponto, a aventura norte-americana corre em favor da China. É que, vale a pena não esquecer, a União Europeia foi convencida pela administração Trump a encetar uma ‘viagem’ de desregulamentação, que deveria acompanhar essa mesma viagem que está a ser processada nos Estados Unidos. Mal chegou à Casa Branca, Trump tratou de acabar com muita da legislação em torno da sustentabilidade. E conseguiu convencer a Comissão Europeia de que teria de fazer o mesmo – desde logo porque, se não o fizesse, aos artigos norte-americanos deixariam de poder entrar na União.
Recorde-se que a regulação da sustentabilidade pretendia – para além de poupar o ambiente, supõe-se – em primeiro lugar atribuir uma nova ferramenta de competitividade à indústria europeia e, por outro lado, encerrar o bloco à ‘descuidada’ produção chinesa. Os padrões foram elevados para conter a ‘inundação’ chinesa. Ora, quando a União aceitou a desregulamentação para acomodar a novamente ‘descuidada’ produção norte-americana, reabriu as portas à produção chinesa. Curioso.
Neste contexto, a Comissão Europeia está a ponderar a aplicação de medidas de emergência para proteger os seus mercados. Isso pode incluir a imposição de tarifas adicionais sobre produtos asiáticos que são desviados para a Europa como resultado de barreiras comerciais dos EUA. As autoridades indicaram que a vigilância dos fluxos de importação foi intensificada para detetar e responder a quaisquer aumentos incomuns. Nos corredores de Bruxelas, eles estão cientes dos riscos envolvidos em tal avalanche de mercadorias do Oriente e é assim que um diplomata da UE verbaliza: “Teremos que tomar medidas de salvaguarda para mais de nossas indústrias”.
Um apelo de Xi Jinping
Vale a pena recordar que, na semana passada e já depois da suspensão das tarifas por 90 dias, o presidente chinês, Xi Jinping, apelou à União Europeia para que “se mantenha unida” face à guerra comercial lançada pelo líder norte-americano, Donald Trump, que está a agitar as praças financeiras em todo o mundo. “China e UE devem assumir as suas responsabilidades internacionais, proteger conjuntamente a globalização económica e o ambiente comercial internacional e resistir conjuntamente a qualquer coerção unilateral”, afirmou Xi Jinping, em Pequim, durante uma reunião com o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez.
O chefe do governo espanhol foi largamente criticado pela visita que decidiu realizar e principalmente pelo seu ‘timing’ – que pode ser entendido como uma quebra de uma parte do bloco dos 27 à hegemonia que Washington exerce sobre ele. A ideia do socialista espanhol é, segundo a imprensa do país, que a União (ou pelo menos a Espanha sob a sua direção) não tem que ficar refém de uma administração norte-americana que encara a Europa como ‘inimiga’ dos interesses norte-americanos.
Do seu lado, e numa mensagem publicada nas redes sociais, o presidente francês, Emmanuel Macron, avisou que a redução das tarifas norte-americanas para 10% é “uma pausa frágil” e que “juntamente com a Comissão Europeia, o país deve ser forte”. “A Europa deve continuar a trabalhar em todas as contramedidas necessárias”, vincou.
Se as negociações com os Estados Unidos falharem, a Comissão Europeia poderá tributar os gigantes tecnológicos norte-americanos, que são agora apoiantes de Donald Trump, ameaçou já por diversas vezes a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. “Existe um vasto leque de contramedidas”, disse.
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