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bunq, o banco digital criado só com capitais próprios e sem objetivos de crescimento

Ali Niknam, fundador e CEO do bunq, explicou em entrevista exclusiva ao Jornal Económico que fundou o banco digital apenas com dinheiro próprio, depois de a crise financeira ter demonstrado que os bancos tradicionais eram todos iguais. O volume de depósitos em 2019 deverá ter duplicado face ao ano anterior, para 400 milhões de euros. E, sobre a hipótese de abrir um escritório em Lisboa, admitiu que “Portugal está no radar”.
  • Ali Niknam, fundador e CEO do bunq
    Ali Niknam, fundador e CEO do bunq
13 Fevereiro 2020, 07h35

Os bancos digitais e as fintech têm na tecnologia não apenas a ferramenta para desenvolver produtos e serviços financeiros inovadores, mas também a catapulta para a expansão geográfica. Conquistam mais mercados e angariam mais clientes e, eventualmente, o crescimento dos resultados financeiros tornar-se-á num objetivo da gestão, depois de ultrapassados os desafios de prova de conceito.

Há pelo menos uma exceção a este sumário da vida das startups. Numa entrevista por telefone ao Jornal Económico (JE), Ali Niknam, fundador e CEO do banco digital bunq, vincou que “não temos objetivos de crescimento per si, nem objetivos de crescimento financeiro”.

O banco central holandês concedeu-lhe uma licença bancária europeia em 2015, três anos depois de ter sido fundado em Amesterdão. Desde então, lançou três tipos de contas diferentes que funcionam através de um modelo de subscrição – o modelo de negócio típico dos bancos digitais – e entrou no mercado português no final de 2019.

Além da conta “Business”, concebida especialmente para as empresas, que custa 9,99 euros por mês, as pessoas singulares podem optar entre a conta “Premium”, por 7,99 euros mensais, ou associar-se a outra pessoa e subscreverem a conta-conjunta “Joint” por 9,99 euros por mês, disponível para casais – o preçário completo está disponível aqui.

O bunq disponibiliza ainda mais um produto típico das fintech ou dos bancos digitais: o cartão de viagem. No site oficial do banco, o bunq explica que o “Travel Card”  não tem “quaisquer custos mensais”. E é neste ponto que acabam as semelhanças do bunq com outras fintech e começam as diferenças.

Contra o sistema financeiro tradicional e a favor da sustentabilidade

“Somos os bancos dos livres”, realçou Ali Niknam. “A criação do bunq tem tudo a ver com a crise financeira [de 2008]. Consideramos que uma sociedade segura depende de um sistema financeiro resiliente e isso consegue-se com diversidade”, explicou. “A crise financeira foi o resultado do facto de os bancos terem todos o mesmo modelo de negócio, o mesmo serviço, as mesmas pessoas. Ou seja, se acontecesse uma coisa a um banco, contagiaria todo o sistema financeiro”, adiantou.

O nome começa com um “b” minúsculo de propósito: é para ser simétrico com o “q” que surge no final. Questionada, fonte oficial do bunq explicou ao JE que o nome ‘bunq’ espelha simetria, o que é um “símbolo para o facto de estarmos a alterar a indústria financeira juntos”. E, aos ouvidos do consumidor final, ‘bunq’ assemelha-se a ‘bank’, o inglês para a palavra portuguesa para ‘banco’.

O JE testou e criou a conta “Premium”, tendo procedido ao respectivo cancelamento após um curto período de tempo. Saltou à vista a opção que o bunq dá ao utilizador em escolher onde aplicar o dinheiro – se quiser. Atualmente, qualquer utilizador pode  aplicar o seu dinheiro em empréstimos pessoais ou hipotecas pessoas, numa lógica de crowdlending. Ou pode aplicar em empréstimos de outros bancos, havendo ainda a opção de investimento em empresas verdes.

No caso do investimento em empresas verdes, o bunq não identifica as companhias que estão incluídas. Explica que contratou a gestora a.s.r. Asset Management para gerir o portfólio de investimento e que se encontram excluídas o investimento em companhias envolvidas nas atividades de armamento, tabaco, jogo, empresas em que, pelo menos, 50% das receitas advêm da energia nuclear ou indústria do carvão, entre outras.

Ligado ao ponto da sustentabilidade, especialmente no que diz respeito ao tema do ambiente, o bunq lançou no final do ano passado o “Green Card”, o cartão verde. Trata-se de um cartão de metal que funciona também através de um modelo de subscrição – 99 euros por ano – que tem a particularidade de plantar uma árvore na ilha de Madagáscar por cada cem euros gastos através do cartão. “Em dois meses, já plantámos 40 mil manguezais”, disse Ali Niknam. “Escolhemos esta árvore porque tem particularidades no sequestro de carbono”, adiantou.

De acordo com um estudo de 2018 publicado no “Environmental Research Letters”, intitulado “A global map of mangrove forest soil carbon at 30 m spatial resolution”, a desflorestação de manguezais libertou entre 111 milhões a 447 milhões de toneladas de CO2 para atmosfera, o equivalente ao volume de CO2 emitido pela economia brasileira em 2015, ano em que foi o 11º maior emitente mundial de dióxido de carbono.

Depósitos terão duplicado num ano

Presente em todos os países que integram o Espaço Económico Europeu – 30 países –Ali Niknam não esconde ter uma ambição global. “Sim, temos a ambição de tornar o bunq num banco global, mas é muito difícil por causa da regulação bancária”, explicou. “Adoraria entrar nos Estados Unidos, mas não é fácil”, reforçou.

A cultura do bunq é altamente sigilosa. “A privacidade é uma das nossas virtudes e nunca damos informação sobre os nossos utilizadores”, realçou o fundador do banco digital. Ainda assim, Ali Niknam disse que entre os utilizadores do bunq se encontram bastantes “empresários, expatriados, casais e utilizadores do ‘Green Card’”.

Segundo a informação mais recente no site, em dezembro de 2018, o bunq tinha 211,152 milhões de euros em depósitos. “As nossas contas vão ser apresentadas brevemente e os depósitos deverão ter duplicado até ao final de 2019, para 400 milhões de euros”, revelou Ali Niknam.

O bunq atualmente ainda não dá lucro e o objetivo mais imediato passa agora por “ganhar dinheiro com cada subscrição”, explicou o fundador do banco digital, que nunca recorreu a investimento externo para fazer face às despesas operacionais.

Com apenas 16 anos, Ali Niknam, que nasceu em 1981, fundou uma empresa especializada no registo de domínios de sites na internet, a TransIP, e colocou 44,9 milhões de euros de capitais próprios no bunq em 2012.

“No início, era importante criar um produto de que os nossos utilizadores gostassem. Na altura, eu não queria sacrificar a nossa independência”, disse Ali Niknam, admintindo que o cenário poderá, entretanto, ter mudado. “Hipoteticamente falando, hoje em dia poderíamos ter um investidor. A nossa cultura, os nossos utilizadores, os nossos produtos encontram-se numa posição para acolher um investidor. Todos os dias recebemos e-mails de investidores e posso dizer que despertámos muito entusiasmo junto da comunidade de investidores”, frisou o fundador do bunq.

Questionado sobre a possibilidade de o bunq vir a conceder empréstimos, Ali Niknam respondeu que não figura entre as necessidades dos utilizadores. “Ouvimos os nossos utilizadores e alguns identificaram os empréstimos como uma necessidade, mas a maioria não”, disse.

Com três escritórios em Amesterdão, Atenas e Sófia e cerca de 170 colaboradores, Ali Niknam admite que “Portugal está no nosso radar”. “Tudo depende das oportunidades e do que queremos e gostamos. Já fui a Lisboa e gostei muito da cidade”, referiu.

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