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Cálculo da carga fiscal é o novo cavalo de batalha de Mário Centeno

Ministro das Finanças defende fórmula alternativa que tenha em conta o défice e os impostos futuros. Especialista em Direito Fiscal não concorda.
2 Junho 2019, 12h00

O brilharete orçamental de Mário Centeno tem sido assombrado pelo fantasma da carga fiscal. Mas em final de legislatura, com este indicador a bater recordes, o Governo quer fintar os argumentos da oposição e colocou em campo a defesa de um modelo alternativo.

O Instituto Nacional de Estatística (INE) confirmou esta semana que a carga fiscal aumentou para 35,4% do PIB em 2018, o valor mais elevado desde 1995 (ver infografia). No entanto, o ministro das Finanças tem vindo a defender que  esta avaliação sobre a carga fiscal está obsoleta, sustentando-se na análise do Banco de Portugal (BdP) sobre a necessidade de diferenciar na taxa de variação entre os contributos das medidas legistivas e outros factores.

“As medidas de política fiscal do Governo contribuíram para diminuir a carga fiscal, alterando um padrão de muitos anos nas finanças públicas portuguesas. Algo muito diferente é a evolução global das receitas fiscais e contributivas estruturais”, realçou o Ministério das Finanças, num comunicado divulgado no início de maio.

O crescimento em 4,3 mil milhões de euros da carga fiscal no ano passado, face a 2017, é explicado essencialmente pelo aumento das receitas do IVA e do IRS e das contribuições efetivas, de acordo com dados do INE. No entanto, segundo a visão do Governo, este aumento das receitas fiscais resulta essencialmente do crescimento económico, agregado ao crescimento do emprego.

Rebate, assim, a ideia de que os portugueses têm pago mais impostos e assegura mesmo que “as medidas legislativas contribuíram de forma decisiva para um alívio fiscal de 0,5 pontos percentuais”.

Carga ou esforço fiscal?

Na perspetiva de António Pedro Braga, especialista em Direito Fiscal e sócio da firma Morais Leitão, “o economista Mário Centeno dificilmente concordaria com a tese do ministro Mário Centeno. O ministro vem lançar para cima da mesa, com o propósito de se justificar perante o aumento da pressão fiscal, uma proposta que rompe com a ortodoxia internacional, dado que para a generalidade dos organismos internacionais (nomeadamente a Comissão Europeia), tanto o conceito de ‘carga fiscal’ como o de ‘esforço fiscal’ devem medir-se por referência ao PIB (ainda que ‘agregado’ ou ‘per capita’), tal como sublinharia o economista Mário Centeno”.

“O conceito de ‘esforço fiscal’ revela-nos de facto a evolução do nosso ‘rendimento disponível’ (porque expressa a relação entre a carga fiscal e o PIB ‘per capita’, corrigindo os poderes de compra para fins de comparação), e pode dizer-se que, nesse capítulo, a evolução desde 2015 não tem sido tão negativa quanto a da carga fiscal.  Mas uma coisa é saber se o nível de impostos tem aumentado em percentagem do nosso rendimento (carga fiscal) e outra diversa é saber se, mesmo com esse aumento, o nosso rendimento disponível tem crescido em valor absoluto (esforço fiscal)”, distingue Braga, o qual considera que a carga fiscal “é mais reveladora das opções de um Governo” do que o esforço fiscal, “pois põe a nu a variável que este melhor domina: o nível de carga fiscal em relação ao produto total. Se o rendimento disponível aumenta em valor absoluto, mesmo que os impostos aumentem em percentagem desse rendimento, não será propriamente ao Governo que se deve creditar essa diminuição do ‘esforço fiscal’, mas à economia”.

“Talvez devêssemos começar a falar conjugadamente de ‘esforço fiscal’ e de ‘carga fiscal’”, sugere António Pedro Braga. “Como tem sido defendido por alguns economistas, é o esforço fiscal que exprime o nosso enorme grau de asfixia fiscal, mas se Centeno quer desviar-se mediaticamente da ‘carga fiscal’ porque esta aumentou com o seu Governo (mas mantém-se próxima da média europeia), como pode furtar-se ao imperativo de baixar impostos que o nosso nível de esforço fiscal tão manifestamente reclama?”

Quanto à nova fórmula de cálculo da carga fiscal (juntar o valor do défice à receita fiscal, calculando depois o peso no PIB dessa soma) proposta por Mário Centeno, para ter em conta os impostos futuros que são criados em cada ano, Braga considera que “o ministro parece defender uma visão da carga fiscal de pendor utilitarista e não fundada em princípios. Nessa visão, os impostos são uma prerrogativa discricionária do Estado e não uma restrição ao direito de propriedade dos cidadãos e das empresas que se impõe na justa medida das necessidades do Estado e da redistribuição de riqueza. É que uma descida de impostos tem o valor absoluto de reduzir o fardo financeiro de quem já pagou, também com impostos, os excessos de crises passadas, repondo o são equilíbrio geracional, ao passo que a redução do défice pode ser muito influenciada por fatores conjunturais, de que este Governo tem beneficiado, como é o período da bonança financeira e económica que temos vivido”.

Braga salienta que “este novo paradigma financeiro proposto por Mário Centeno beneficia os governos que não reduzem impostos mas que podem, além do aumento da receita fiscal, reduzir o défice à custa dos juros baixos e de menores encargos com prestações sociais, por exemplo. Todavia, num cenário de crise, esta alteração na fórmula teria um efeito pro-cíclico que sobrevalorizaria a carga fiscal, fazendo com que um Governo forçado temporariamente a aumentar os impostos e o défice, em virtude de erros passados, pagasse politicamente mais do que a sua conta”.

“É claro que, tal como diz o ministro, uma melhor prestação no domínio da dívida, no sentido da sua redução e da redução do peso dos juros, pode ajudar a prevenir aumentos de impostos futuros. Mas o que vemos é hoje é um aumento da carga fiscal, sem paliativos, que pesa no orçamento dos portugueses”, conclui.

Artigo publicado na edição nº1989, de 17 de maio do Jornal Económico

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