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Canais digitais terão de aguentar sector joalheiro enquanto não voltam os turistas

O crescimento que vinha a experienciar o sector da joalharia e ourivesaria, alavancado na qualidade do trabalho nacional e no turismo, sofreu um forte abalo, mas as empresas mostram-se determinadas em aguentar até à retoma.
6 Dezembro 2020, 20h30

Portugal é um país de fortes e antigas tradições, incluindo várias artes manuais nas quais se inclui a ourivesaria. No entanto, e como sucede com tantas outras qualidades nacionais, a perceção dentro de portas dessa qualidade é ainda pouca, o que dificulta a sua projeção no mercado internacional.

“A joalharia nacional tem um savoir-faire reconhecido internacionalmente como sendo de alta qualidade”, diz David Kolinski, administrador do Grupo Boutique dos Relógios.

“São várias as marcas internacionais de joalharia que alocam a produção de componentes ou peças inteiras a joalheiros e fabricantes nacionais, sediados na sua grande maioria no norte de Portugal. Na joalharia, a insígnia ‘Made in Portugal’ é sinónimo de qualidade e credibilidade”, continua.

Esta tendência vinha-se a verificar pré-Covid-19, quando várias casas de joalharia registavam crescimentos assinaláveis. Os últimos anos haviam sido de crescimento, tanto dentro de portas, como lá fora, sendo que, no caso dos clientes estrangeiros, o fenómeno do turismo teve um impacto tremendo.

“As coisas estavam muito boas, comparativamente com os anos anteriores estavam muito melhores”, conta Jorge Pinheiro, o diretor da Sociedade de Relojoaria Independente, que fala mesmo nos melhores três primeiros meses do ano em 2020. “O turismo é sempre uma parte muito importante, até porque vendemos às lojas e estas dependem muito do turismo, principalmente em Lisboa e no Porto, dois centros que sofreram muito.”

“Da minha experiência, trabalhando com oito lojas, seis delas são focadas quase exclusivamente no turismo e a joalharia tem um impacto forte nas vendas das mesmas”, afirma Joana Simões, artesã e dona da sua marca homónima.

“A minha aposta foi sempre procurar este tipo de lojas para expor o meu trabalho, porque valorizam a joalharia de autor e é difícil, enquanto joalheira de autor, entrar noutros canais”, explica ainda, acrescentando que os turistas representavam, até ao chegar da pandemia, aproximadamente 40% do seu volume de negócios.

“O mercado de luxo em Portugal pré-pandemia vivia uma fase muito boa, com um momento de grande crescimento do turismo de luxo, que se refletia positivamente nos nossos resultados”, expõe David Kolinski.

“A crise pandémica sente-se, sobretudo, pela falta de turismo, algo que naturalmente impactou todo o sector”, explica, garantindo ainda assim que o mercado nacional tem mantido um certo volume através de um nicho de consumidores conhecedores do produto, “o que se traduz num cenário de menos tráfego nas lojas, mas com uma taxa de conversão em compra mais elevada”.

Numa atividade que, apesar de produzir e comercializar bens tangíveis, assenta muito na vertente presencial, em que o cliente fica a conhecer melhor a peça, pode observá-la e manuseá-la, e beneficia do saber dos comerciantes, a passagem para o digital, como em tantos outros sectores, foi inevitável.

Joana Simões, por exemplo, já vinha a usar os canais digitais no seu negócio e com bons resultados.

“Passando pelo site, pelos canais como o Instagram e Facebook, fazendo campanhas, muitas patrocinadas e outras não, mas apostando numa presença constante nestes meios e que efetivamente surte efeito”, afirma. No entanto, a artesã vê com preocupações este movimento no resto do sector, por suspeitar que uma grande parte das empresas não se capacitou para esta transição.

“Relativamente às lojas com as quais trabalho, muito direcionadas para o turismo, noto que não estão preparadas para esta forma de trabalhar. Nunca o fizeram, não a usam”, pelo que estão agora numa situação de desvantagem, teme Joana Simões.

“Conseguimos ter um equilíbrio muito interessante e importante entre a experiência online e offline”, começam por dizer Nuno e Marco Santos, dois irmãos joalheiros que formam a Elements 75’80.

”A venda de um produto, hoje em dia, conhece vários canais: pode começar por um primeiro contacto online, onde nos é dirigido um certo pedido, e depois tanto pode haver uma continuação desta comunicação online, como passar para um contacto presencial, para se falar sobre alguns detalhes do processo”, prosseguem, sem deixar de salientar que, em condições ideais, este canal serve de complemento ao presencial.

No entanto, condições ideais parecem secundárias para uma dupla que se lançou nesta área em 2008, ano em que abriram a primeira loja ao mesmo tempo que rebentava a crise financeira, que expandiu para Lisboa em 2012, quando a retoma era ainda muito lenta e tímida, e que abriram um novo espaço já em plena crise pandémica.

“Este ano, a experiência está a ser desafiante e muito exigente. Mas nestas fases, é muito importante manter o foco e tentarmos ultrapassar os obstáculos o mais incólumes possível, para depois conseguirmos aproveitar o esforço realizado”, apontam, destacando as oportunidades que configuram os movimentos de ajustamento que sofrem as várias atividades nestas épocas de crise.

O processo de digitalização no sector focar-se-á sobretudo na criação de lojas online, mas há mais por detrás destas montras eletrónicas de ourivesarias. Além da utilização de novas tecnologias na parte do processo, também as vendas envolvem mais do que uma mera loja, tendo as casas nacionais da área trabalhado na promoção dos seus produtos através de newsletters, partilhando bases de dados e informatizando parte da informação de que dispunham.

Na relojoaria, o caso é bastante distinto. “Por razões históricas e de desinvestimento na produção relojoeira portuguesa, este é um sector no qual Portugal não é relevante, sendo o mercado de alta relojoaria dominado totalmente pela indústria suíça e algumas manufaturas alemãs”, explica o administrador da Boutique dos Relógios, o maior representante de relógios em Portugal.

Assim, a componente de fabrico e de processo destes bens em Portugal é bastante escassa, sendo que a relojoaria de luxo é quase toda ela importada. Como tal, as relojoeiras tiveram de se focar exclusivamente no comércio dos produtos, não contando com encomendas vindas do exterior, como sucedeu na ourivesaria.

“As coisas ficaram mesmo muito más nestes últimos tempos, como é óbvio, e o online, como estávamos a começar agora, acabou por representar, no máximo, 15% do volume de negócios”, ressalva Jorge Pinheiro.

O caso da Relojoaria Faria é ainda mais peculiar, pela localização de uma das lojas no Hotel da Penha Longa, em Sintra.

“Antes da pandemia as coisas funcionavam bem, 2019 foi um ano bastante interessante”, começa por explicar José Faria, descendente do fundador desta casa, que data já de 1936.

“Depois da pandemia, o hotel está numa situação muito complicada, o turismo desapareceu, os jogadores de golfe desapareceram, é uma loja complicada”, continua, estabelecendo uma comparação com a outra loja do grupo, em Sintra, que, apesar das restrições, continua com um volume bastante aceitável.

“No nosso caso em particular, verifica-se que até estamos a beneficiar das pessoas que normalmente se deslocavam aos centros comerciais e, agora, estão a fugir destes locais para virem às lojas de rua”, revela.

Outro mercado que costuma ganhar com estes paradigmas é o de segunda mão. Como nos revela o mestre António Serafim, um conhecedor profundo da máquina que é um relógio que trabalha na RPN, são cada vez mais os compradores que olham para estes artigos como um investimento e uma reserva de valor.

Pelo segmento em que se posicionam, numa gama alta com as melhores marcas mundiais, e pelo nicho em que atuam, de compra, venda e reparações destas máquinas, a RPN não tem sentido grande variação do volume de negócios. Na realidade, a tendência neste tipo de casas passará mais pela busca de oportunidades por compradores astutos e informados, que, sabendo das dificuldades que atravessará uma boa parte da população, estarão mais atentos a bons negócios.

“À semelhança do que sucede com a arte e pintura, normalmente nestas opções tradicionais de investimento as pessoas ainda não colocaram os relógios na rota do investimento”, argumenta. É mais um ponto de contacto destas peças com a arte, agora também na perspetiva do investimento.

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