Richard Cantillon demonstrou a não neutralidade da política monetária ao defender que as alterações na oferta de moeda e por onde a nova moeda entra na economia são fundamentais para determinar os efeitos gerados. O chamado “efeito Cantillon” define que o aumento da oferta de moeda cria inflação de forma desigual e tende a beneficiar aqueles que se encontram mais perto da injeção monetária.

A política monetária seguida pelos bancos centrais desde 2008 não tem provocado a subida da inflação no consumidor. Mas está à vista de todos a “inflação” nos ativos, financeiros e não financeiros, aumentando a desigualdade entre quem os tem e quem não os tem. Este é um tema que há décadas preocupa os economistas liberais, em particular os “austríacos”, e pode ajudar a explicar os recordes nas bolsas, nas obrigações e no imobiliário.

Fugindo à discussão sobre se poderia ou deveria ser feito de outra forma no contexto de Covid-19, é inegável que os detentores de ativos têm sido beneficiados pela política monetária. Mas é também irónico que os governos mais à esquerda, sempre aparentemente voluntariosos nos temas da igualdade, não coloquem em causa os bancos centrais. Isto sucede porque também são beneficiados, dado estarem mais próximos da emissão de moeda. É bastante conveniente ter juros baixos que permitam ter défices, dívida e acesso fácil ao mercado.

Os governos tendem a seguir a via populista de aumentar a despesa, embora sufocando com impostos a atividade e os cidadãos. Mas também aqui acabam por “atirar ao lado”. Os maiores detentores de ativos gozam normalmente de regimes de exceção fiscal e, no caso de Portugal, são cada vez mais entidades não residentes. A exceção ocorre na dívida pública, cada vez mais propriedade do Banco de Portugal e da Segurança Social, internalizando cada vez mais o risco-país.