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Caos e “ordem” no contexto do Brexit

No contexto da indústria turística, o Brexit traduz-se num choque assimétrico, espacialmente diferenciado, mas com epicentro na Bacia do Mediterrâneo.
10 Abril 2019, 07h15

Recentemente tive a oportunidade de participar num programa difundido pela RTP-Madeira sobre a temática do Brexit. Grosso modo, as expectativas relativamente aos impactos são negativas, nomeadamente no que concerne ao setor do turismo. Um estudo recente comissionado pela CIP refere perdas substanciais em termos do volume de exportações, fluxos de IDE e remessas dos emigrantes. Dado o peso dos turistas britânicos no contexto da Bacia do Mediterrâneo, uma série de países têm vindo a planear a implementação de uma série de medidas de mitigação, pela simples razão que o mercado em causa diz respeito a 120 milhões de dormidas anuais. Embora o peso da RAM no total identificado atrás corresponda a apenas 1,59%, o segmento britânico corresponde a cerca de 26% do total de dormidas (dados relativos a 2017), do que resultam previsivelmente impactos negativos, quantitativamente expressivos e potencialmente disruptivos. No contexto da indústria turística, o Brexit traduz-se num choque assimétrico, espacialmente diferenciado, mas com epicentro na Bacia do Mediterrâneo.

Centrar a atenção em exclusivo no ‘worst case scenario’ afigura-se redutor. Algumas das análises e opiniões de experts consultadas sugerem não atribuir probabilidade nula ao cenário “business as usual”, por uma multiplicidade de razões. Por exemplo, viajar para o exterior para latitudes consentâneas com um número alargado de horas de exposição solar, índices de conforto térmico adequados e proximidade da linha de costa constitui prática cultural standard no contexto britânico. Obviamente que o processo de desvalorização da libra em curso reduz o poder de compra dos britânicos, reforçando a procura por soluções ‘low cost’, e geograficamente próximas. Sobressai neste cenário a capacidade de oferecer “variedades” de ofertas/produtos turísticos ímpares, resilientes à perda do poder de compra. Ressalta também a relevância de implementar medidas que reduzam os custos “indiretos”, de índole financeira, psicológica e outros, do ponto de vista do turista britânico. Países como Portugal, Espanha e Grécia projetam implementar medidas que visam reduzir custos extras decorrentes de processos como necessidade de visa, taxas e impostos extras associados à categoria de “Other countries”, questões de acesso a cuidados médicos de urgência em decorrência da perda de acesso o Cartão Europeu de Saúde, e tramites legais associados à utilização de carta de condução no exterior, etc. Questões relativas a cancelamentos, atrasos e processos burocráticos diversos terão também de ser tidos em devida conta.

Outra razão que potencia o cenário “business as usual” radica na importância global do setor do turismo, lazer e viagens no contexto europeu. Perturbações na dinâmica do mercado prejudicarão a maioria dos países, com especial incidência para as regiões dependentes do setor, o que permite antever fortes pressões para a implementação de medidas de interesse comum e a definição de um patamar de entendimento mínimo. Identicamente, um clima recessivo sustentado no contexto da economia britânica, consubstanciado numa desvalorização progressiva da libra, no aumento da taxa de desemprego, na quebra dos indicadores de confiança dos consumidores e no volume de investimento, traduzir-se-á numa pressão crescente do setor empresarial (em especial) para o retomar da “normalidade”, o que contribuirá a prazo para a definição de uma plataforma de entendimento mínima que permita o funcionamento de diversos mercados, e o retomar dos fluxos comerciais normais. Historicamente, o setor do turismo e viagens tem exibido um grau de resiliência acima da média, o que adiciona uma nota de otimismo ao processo. Um fator adicional de interesse para a RAM reside na importância do segmento sénior, segmento “favorecido” em termos de poder de compra nos últimos anos no Reino Unido, ser preponderante na Região.

Qualquer que seja o cenário predominante, e a duração da fase de transição, a questão central a ter em conta residirá no desenvolvimento de competências e no ganho de experiência na gestão dos “caos” e na identificação de “second bests”. O horizonte a médio/longo prazo será determinado com toda a probabilidade por choques assimétricos, de natureza recorrente, resultantes das alterações climáticas na sua vertente mais dramática (catástrofes naturais) e dos choques económicos que derivarão do (aparente) processo de desregulação do sistema económico internacional em curso. Caso o ‘worst scenario’ seja uma realidade, importa olhar para o sucedido nas décadas de 20 e 30, período em que regiões, países e setores de atividade tiveram de re-orientar os fluxos comerciais, identificar mercados alternativos e sobreviver a choques macroeconómicos sucessivos.

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